História De Israel – Teologia 31.121
CAPÍTULO 11
O EXÉRCITO DE NABUCODONOSOR TOMA JERUSALÉM, SAQUEIA O TEMPLO
E O QUEIMA, BEM COMO AO PALÁCIO REAL, DESTRUINDO COMPLETAMENTE
A
CIDADE. NABUCODONOSOR MANDA MATAR SERAÍAS, SUMO SACERDOTE, E
VÁRIOS OUTROS. FAZ VAZAR OS OLHOS DE ZEDEQUIAS E LEVA-O
ESCRAVO À
BABILÔNIA, BEM COMO UM GRANDE NÚMERO DE JUDEUS. ZEDEQUIAS
MORRE. NOMES DOS SUMOS SACERDOTES. GEDALIAS É CONSTITUÍDO
POR NABUCODONOSOR CHEFE DOS HEBREUS ESTABELECIDOS NA JUDÉIA.
ISMAEL
MATA-O E LEVA OS PRISIONEIROS. JOÃO E SEUS AMIGOS
PERSEGUEM-NO E
OS LIVRAM. RETIRAM-SE PARA O EGITO CONTRA O CONSELHO E A
OPINIÃO DE
JEREMIAS. NABUCODONOSOR, APÓS VENCER O REI DO EGITO, LEVA OS
ESCRAVOS PARA A BABILÔNIA. FAZ EDUCAR COM MUITO CUIDADO AS
CRIANÇAS JUDIAS QUE ERAM DA NOBREZA. DANIEL E TRÊS DE SEUS
COMPANHEIROS, TODOS PARENTES DO REI ZEDEQUIAS, ESTÃO ENTRE
ELES.
DANIEL, ENTÃO CHAMADO BELTESSAZAR, EXPLICA A NABUCODONOSOR
UM
SONHO. O REI DIGNIFICA DANIEL E SEUS COMPANHEIROS COM OS
MAIS
ALTOS CARGOS DO IMPÉRIO. OS TRÊS COMPANHEIROS DE DANIEL,
SADRAQUE. MESAQUE E ABEDE-NEGO, RECUSAM-SE A ADORAR A ESTÁTUA QUE NABUCODONOSOR
MANDOU FAZER. SÃO ATIRADOS A UMA FORNALHA ARDENTE, E DEUS OS SALVA.
NABUCODONOSOR, DEPOIS DE OUTRO SONHO,
QUE DANIEL TAMBÉM IBE EXPLICA, PASSA SETE ANOS NO DESERTO
COM OS
ANIMAIS. VOLTA AO SEU ESTADO PRIMITIVO. SUA MORTE. TRABALHOS
SOBERBOS POR ELE EXECUTADOS EM BABILÔNIA.
425. Nabucodonosor apertava cada vez mais o cerco. Mandou
construir altas torres, com as quais sobrepassava as muralhas da cidade, e
também grande quantidade de plataformas tão altas quanto os muros. Os
habitantes, por sua vez, defendiam-se com todo o empenho e com toda a coragem
possível, sem que a fome e a peste pudessem esmorecê-los. A coragem dava-lhes
ânimo contra todos os males e perigos. E, sem se espantar com as máquinas de que
seus inimigos se serviam, opunham-lhes outras. Assim, não era somente à força
aberta, mas também com muita arte que a guerra transcorria entre essas duas
valentes nações. Era principalmente por esse último meio que alguns esperavam
conquistar a praça, e outros, ao invés, conservá-la.
Passaram-se dezoito meses desse modo. Por fim, os sitiados,
consumidos pela fome, pela peste e pela quantidade de dardos que os inimigos
lhes atiravam do alto das torres, cederam, e a cidade foi tomada pela
meia-noite do décimo primeiro ano, no nono dia do quarto mês do reinado de
Zedequias, por Nergelear, Aremante, Emegar, Nabazar e Ercarampsar, generais de
Nabucodonosor que então estavam em Ribla. Eles marcharam diretamente para o
Templo. O rei Zedequias, sua esposa, seus filhos, seus parentes e as pessoas da
nobreza que ele mais estimava saíram da cidade para fugir por lugares
desconhecidos rumo ao deserto.
Os babilônios, porém, foram avisados por um dos que eles
haviam deixado de lado ao fugir, e ao despontar do dia puseram-se a
persegui-los. Alcançaram-nos perto de Jerico e quase todos os que acompanhavam
Zedequias o abandonaram. Ele foi aprisionado com sua mulher, seus filhos e os
poucos que lhe restavam, e todos foram levados ao rei. Nabucodonosor chamou-o
de ímpio e pérfido por faltar à promessa de lhe conservar inviolavelmente o
reino, pois para isso pusera a coroa na sua cabeça. Reprovou-lhe a ingratidão,
por esquecer-se da obrigação que lhe devia por tê-lo preferido a Joaquim, seu
sobrinho, ao qual pertencia o reino, e por ter empregado contra o seu benfeitor
o poder que este lhe concedera. E terminou com estas palavras: "Mas o
grande Deus, para castigar-vos, vos entregou em minhas mãos". Então, na
presença dele e diante dos outros escravos, mandou matar os seus filhos e
amigos. Vazou-lhe os olhos e ordenou que o acorrentassem para levá-lo escravo à
Babilônia.
Assim, cumpriram-se ambas as profecias, a de Jeremias e a de
Ezequiel, que esse desventurado príncipe tão erradamente desprezara: a de
Jeremias, que afirmava que ele seria feito prisioneiro, seria levado a
Nabucodonosor, falaria com ele e o veria face a face; a de Ezequiel, que dizia
que ele seria levado à Babilônia, mas não a poderia ver. Esse exemplo ensina,
mesmo aos mais ignorantes, o poder e a sabedoria infinita de Deus, que sabe
fazer realizar por diversos meios e no tempo por Ele marcado tudo o que
determina e prediz. Esse mesmo exemplo faz também ver a ignorância e
incredulidade dos homens: a primeira os impede de prever o que lhes sucederá; a
segunda faz com que eles caiam, quando menos esperam, na infelicidade e na
desgraça de que foram ameaçados e só as conheçam quando as sentirem e quando
não mais estiver em seu poder evitá-las.
Esse foi o fim da estirpe de Davi, depois que vinte e um
reis seus descendentes sucessivamente ocuparam o trono e empunharam o cetro do
reino de Judá. E todos os seus governos, juntamente, duraram quinhentos e
quatorze anos, seis meses e dez dias.
Nabucodonosor, depois da vitória, enviou Nebuzaradã, general
de seu exército, a Jerusalém, com ordem de incendiar o Templo após retirar de
lá tudo o que encontrasse e de também reduzir a cinzas o palácio real e de
destruir a cidade por completo. Deveria trazer depois todos os habitantes como
escravos para a Babilônia. Assim, no décimo oitavo ano do reinado desse
príncipe, que era o décimo primeiro do reinado de Zedequias, no primeiro dia do
quinto mês, esse general, para executar tal ordem, despojou o Templo de tudo o
que lá encontrou: levou todos os vasos de ouro e de prata, o grande vaso de
cobre chamado mar, que Salomão mandara fazer, as duas colunas de bronze, as
mesas e os candelabros de ouro. Em seguida, incendiou o Templo e o palácio real
e destruiu completamente a cidade. Isso aconteceu quatrocentos e setenta anos,
seis meses e dez dias desde a construção do Templo, mil seiscentos e dois anos,
seis meses e dez dias desde a saída do Egito e mil novecentos e cinqüenta anos,
seis meses e dez dias desde o dilúvio.
Nebuzaradã ordenou então que se levasse o povo como escravo
para a Babilônia, até mesmo o rei, que então estava em Ribla, cidade da Síria,
e também Seraías, sumo sacerdote, Cefã,* que era o segundo dos sacerdotes, os
três oficiais a quem estava confiada a guarda do Templo, o primeiro dos
eunucos, sete dos que desfrutavam maior favor perante Zedequias, o secretário
de Estado e sessenta outras pessoas de classe, que ele apresentou ao príncipe
com os despojos do Templo. Nabucodonosor, naquele mesmo lugar, mandou cortar a
cabeça ao sumo sacerdote e aos mais nobres. Em seguida mandou levar para a
Babilônia o rei Zedequias, Jeozadaque, filho de Seraías, e todos os outros
escravos.
Depois de haver registrado a série dos reis que empunharam o
cetro do povo de Deus, julgo dever referir também a dos sumos sacerdotes que se
sucederam desde que Salomão construiu o Templo. O primeiro foi Zadoque, cujos
descendentes foram: Aquimas, Azarias, Jorão, His, Aciorão, Fideas, Sudeas, Jul,
Jotão, Urias, Nerias, Odeas, Saldum, Elcias, Seraías e jeozadaque, que foi
levado escravo para a Babilônia.
O rei Zedequias morreu na prisão, e Nabucodonosor sepultou-o
à maneira dos reis. Quanto aos despojos do Templo, ele os consagrou aos seus
deuses. Enviou os escravos dentre o povo para certos lugares, nos arredores da
Babilônia, a fim de que lá vivessem, e pôs Jeozadaque, sumo sacerdote, em
liberdade.
__________________
* Ou Sofonias.
426. Nebuzaradã, posto por Nabucodonosor como governador da
Judéia, deixou lá o povo, os pobres e os fugitivos. Deu-lhes Gedalias, filho de
Aicão, que era de família nobre e homem de bem, como governador e lhes impôs um
tributo em favor do rei. O mesmo Nebuzaradã tirou Jeremias da prisão e rogou
insistentemente ao profeta que o acompanhasse até a Babilônia, pois tinha ordem
do rei, seu senhor, de ali fornecer-lhe tudo o que precisasse. E, caso não o
quisesse seguir, bastava apenas dizer em que lugar gostaria de morar, a fim de
comunicá-lo ao soberano. O profeta disse-lhe que não desejava nem uma coisa nem
outra, mas desejava terminar os seus dias no meio das ruínas de sua pátria,
para não perder de vista aquelas tristes relíquias de tão deplorável naufrágio.
Nabuzaradã ordenou a Gedalias que tivesse dele um cuidado particular e, depois
dar ao santo profeta grandes presentes e de conceder liberdade a Baruque, filho
de Nerias, que também era de família nobre e muito instruída na língua de seu
país, voltou para a Babilônia. Jeremias estabeleceu moradia na cidade de Mispa.
Quando os hebreus que haviam fugido durante o cerco de
Jerusalém e se retirado a diversos lugares souberam do regresso dos babilônios
ao seu país, vieram de todos os lados ter com Gedalias em Mispa. Os principais
eram Jorão, filho de Careá, Jezanias, Seraías e alguns outros. Ismael, que era
de família real, porém muito mau e fingido junto de Batal,* rei dos amonitas,
veio também. Gedalias aconselhou-os a trabalharem as suas terras sem nada mais
temer da parte dos babilônios, que com juramento haviam prometido ajudá-los,
caso alguém os incomodasse. Eles precisavam tão-somente dizer em que cidade
queriam estabelecer-se, e ele daria ordens para as necessárias reparações, a
fim de torná-las habitáveis. E não deveriam deixar passar a estação sem
trabalhar com afinco, para poderem recolher o trigo e fazer vinho e óleo para
se alimentarem durante o inverno. Ele permitiu em seguida que escolhessem os
lugares que desejavam cultivar.
Espalhou-se logo por várias províncias vizinhas da Judéia a
notícia desse fato e da bondade com que Gedalias recebia todos os que se
dirigiam a ele, dando-lhes terras para cultivar, com a condição de se pagar um
tributo ao rei da Babilônia. Assim, muitos vieram procurá-lo de todos os
lugares, e cada qual se pôs ao trabalho com entusiasmo. A grande humanidade de
Gedalias granjeou-lhe depressa o afeto de João** e de todos os outros, até
mesmo das pessoas mais importantes. E eles avisaram-no de que o rei dos
amonitas enviara Ismael com o fim de matá-lo à traição e de se declarar rei de
Israel, pois era de família real. O único meio de remediar o problema era ele
permitir que matassem Ismael, a fim preservar o resto da nação da ruína que
seria inevitável, caso Ismael cumprisse o seu perverso desígnio.
Ele respondeu que não havia a menor probabilidade de Ismael,
que recebera dele somente benefícios, atentar contra a sua vida e que, não
tendo feito más ações durante os dias difíceis que vivera, ousasse cometer
agora tão grande crime contra o seu benfeitor, ao qual deveria ajudar com todas
as suas forças se algum outro o combatesse. Mesmo que fosse verdade aquilo de
que o avisavam, ele preferia correr o risco de ser assassinado a fazer morrer
um homem que viera buscar asilo junto dele e que nele havia confiado.
Trinta dias depois, Ismael, acompanhado por dez de seus
amigos, veio a Mispa visitar Gedalias — que os recebeu e tratou muito bem — e
bebeu diversas vezes à saúde dele, para mostrar-lhe o seu afeto. Quando Ismael
e os que com ele estavam perceberam que o vinho começava a perturbar Gedalias e
que ele adormecera, mataram-no, bem como a todos os outros convidados, que
haviam bebido bastante. Depois, auxiliados pela escuridão da noite, foram
degolar os soldados babilônios e os judeus adormecidos na cidade.
No dia seguinte de manhã, cerca de oitenta pessoas vieram do
campo oferecer presentes a Gedalias. Ismael disse-lhes que falassem com ele.
Depois de entrarem na casa, Ismael e seus cúmplices mataram-nos e os lançaram
num poço muito profundo, para que ninguém percebesse o que se passara, com
exceção de uns poucos que lhe prometeram mostrar no campo o lugar onde haviam
escondido móveis, vestes e trigo. Ismael aprisionou também alguns habitantes de
Mispa, mulheres e crianças, entre as quais estavam as filhas do rei Zedequias,
deixadas por Nebuzaradã sob a custódia de Gedalias. Esse péssimo homem, depois
de cometer tantos crimes, pôs-se a caminho, para voltar ao rei dos amonitas.
João e outros homens da nobreza, seus amigos, ao saber o que
se passara, ficaram muito irritados e reuniram o que puderam de homens armados,
perseguiram Ismael e o alcançaram próximo da fronteira de Hebrom. Os que o
acompanhavam pensaram que João e seus amigos vinham socorrê-los e passaram para
o lado dele, com grandes demonstrações de alegria. Ismael, seguido apenas por
uns oito dos seus, fugiu para o rei dos amonitas. João, seus amigos e os que
ele havia salvado foram a Mandra, onde passaram todo aquele dia, mas ele teve a
idéia de se dirigir para o Egito, temendo que os babilônios os mandassem matar
por causa da morte de Gedalias, que eles lhes haviam dado como comandante.
Antes, porém, foram se aconselhar com Jeremias. Rogaram-lhe que consultasse a
Deus, prometendo com juramento fazer o que Ele ordenasse.
O profeta assim fez, e dez dias depois Deus lhe apareceu e
ordenou que dissesse a João, a seus amigos e a todo o povo que se eles ficassem
onde estavam cuidaria deles e impediria que os babilônios lhes fizessem mal. Se
fossem para o Egito, porém, Ele os abandonaria e lhes infligiria, em sua
cólera, os mesmos castigos que aplicara aos seus outros irmãos. Jeremias
deu-lhes essa resposta da parte de Deus, mas eles não prestaram fé às suas
palavras nem acreditaram que era por ordem de Deus que ele lhes ordenava ficar.
Convenceram-se de que ele dava aquele conselho para ser agradável a Baruque,
seu discípulo, e para expô-los ao furor dos babilônios. Desprezaram então as
ordens de Deus e foram para o Egito, levando com eles também Jeremias e
Baruque. Deus então falou ao seu profeta e ordenou-lhe que dissesse ao seu povo
que o rei da Babilônia faria guerra ao rei do Egito e o venceria. Então parte
deles seria morta, e o resto, levado como escravo para a Babilônia.
Os fatos confirmaram a veracidade dessa profecia, pois cinco
anos depois da ruína de Jerusalém, que era o vigésimo terceiro ano do reinado
de Nabucodonosor, esse soberano entrou com um grande exército na Baixa Síria e
dela se apoderou. Venceu os amonitas e os moabitas e fez depois a guerra ao
Egito. Conquistou-o, matou o rei que então governava e escolheu outro para o
seu lugar. Em seguida, levou como escravos para a Babilônia todos os judeus que
estavam no país.
___________________
* Ou Baalis.
** Ou Joana.
427. A nação dos
hebreus estava então reduzida a esse estado miserável, e por dois fatos foi
duas vezes levada para além do Eufrates. A primeira, quando sob o reinado de
Oséias, rei de Israel, Salmaneser, rei dos assírios, depois de tomar Samaria,
levou escravas dez tribos. A segunda quando Nabucodonosor, rei dos caldeus e
dos babilônios, depois de tomar Jerusalém, levou as duas tribos que restavam.
Salmaneser, porém, mandou para Samaria, da longínqua Pérsia e da Média, os
chuteenses, para que a habitassem. Nabucodonosor, por sua vez, não mandou
colônia alguma para as terras das duas tribos que derrotara. De modo que a
Judéia, Jerusalém e o Templo ficaram desertos durante setenta anos. E assim,
passaram-se cento e trinta anos, seis meses e dez dias desde o cativeiro das
dez tribos que formavam o reino de Israel e o das duas que formavam o reino de
Judá.
428. Daniel 1. Dentre
todos os filhos da nação judaica, parentes do rei Zedequias e outros de origem
mais ilustre, Nabucodonosor escolheu os que eram mais perfeitos e competentes e
deu-lhes preceptores e mestres para que os educassem e instruíssem com grande
cuidado. A alguns fez eunucos, como costumava fazer a todas as nações que
derrotava. Ordenou que os alimentassem com as mesmas iguarias de sua mesa e os
fez aprender não somente a língua dos caldeus e dos babilônios, mas também
todas as ciências em que esses povos eram peritos. Dentre os moços que eram
parentes de Zedequias, havia quatro perfeitamente honestos e inteligentes:
Daniel, Hananias, Misael e Azarias, porém Nabucodonosor trocou-lhes os nomes.
Deu a Daniel o nome de Beltessazar e a Hananias chamou Sadraque, a Misael,
Mesaque e a Azarias, Abede-Nego.
O excelente caráter deles, a beleza de sua inteligência e a
sua grande sabedoria fez com que o príncipe lhes dedicasse um grande afeto.
Eram tão sóbrios que preferiam comer apenas coisas simples, abstendo-se de
seres vivos e das iguarias da mesa real. Assim, rogaram ao eunuco Aspenaz, sob
cujos cuidados estavam, que tomasse para si o que era destinado a eles e lhes
desse somente legumes, tâmaras e coisas semelhantes, que não tivessem tido
vida, porque aqueles manjares os aborreciam. Ele respondeu que faria de muito
boa vontade o que eles desejavam, mas temia que o rei viesse a percebê-lo pela
mudança do rosto deles, porque a cor e a face têm sempre relação com o alimento
que se come, e isso seria ressaltado ainda mais pela diferença entre eles e os
outros moços, alimentados com melhores iguarias. Também não era justo que, para
lhes ser agradável, ele se pusesse em risco de perder a vida.
Quando viram que o eunuco estava disposto a servi-los,
continuaram a insistir e conseguiram dele permissão para experimentar pelo
menos por uns seis dias essa maneira de se alimentar e depois continuá-la, se
não causasse alteração na saúde deles. Caso fosse notada alguma mudança em seus
rostos, retomariam à antiga nutrição. Ele consentiu e, depois de constatar que
não somente eles não se apresentavam mal, como ainda pareciam mais fortes e
robustos que os outros moços de sua idade alimentados com as comidas da mesa do
rei, continuou sem temor a tomar para si o que era destinado a eles e a
alimentá-los do modo como desejavam. O corpo deles tornou-se mais belo e mais
apropriado para o trabalho, e a sua inteligência, mais pronta e capaz, porque
não era enfraquecida pelas delícias que tornam os homens efeminados. Fizeram
grande progresso nas ciências dos egípcios e dos caldeus, particularmente
Daniel, que se dedicou também à interpretação dos sonhos, e Deus o favorecia
com revelações.
429. Daniel 2. Dois anos depois da vitória obtida por
Nabucodonosor sobre os egípcios, esse príncipe teve um sonho estranho, do qual
Deus lhe deu a explicação enquanto ele dormia. Depois que acordou, porém,
esqueceu o sonho e o seu significado. Por isso mandou chamar os maiores sábios
dentre os caldeus, os que se dedicavam à predição do futuro, chamados magos
devido à sua sabedoria. Disse-lhes que tivera um sonho, mas o havia esquecido,
e ordenou-lhes que lhe dissessem qual era e o que significava. Eles responderam
que era impossível aos homens o que ele desejava. Tudo o que podiam fazer era
explicar o sonho depois que ele o tivesse narrado. O rei ameaçou-os de morte se
não obedecessem, e, como continuassem a dizer a mesma coisa, mandou matá-los.
Daniel soube de tudo e, vendo que ele e seus companheiros
corriam o mesmo risco, foi ter com Arioque, comandante da guarda real, para
saber o motivo. Arioque contou, e então Daniel suplicou-lhe que rogasse ao rei
para suspender a execução até o dia seguinte, porque estava confiante de que se
pedisse a Deus para revelar o sonho, Ele ouviria a sua oração. O oficial foi
referir tudo ao rei, e este consentiu em esperar. Daniel e seus companheiros
passaram toda a noite em oração a fim de obter de Deus o livramento para os
magos — e para eles também, pelo perigo em que os colocava a cólera do rei — e
a manifestação do sonho que o rei havia esquecido. Deus, movido de compaixão,
revelou a Daniel o sonho e o seu significado, para que fosse dizê-lo ao rei. A alegria
de Daniel foi tão grande que ele se levantou no mesmo instante para comunicar
aos companheiros a graça recebida de Deus. E, tendo-os encontrado muito
tristes, pensando já na morte, animou-os a tomar coragem e alimentar maiores
esperanças. Deram todos juntos muitas graças a Deus por ter tido piedade de sua
juventude. Logo depois que raiou o dia, Daniel foi pedir a Arioque que o
levasse à presença do rei, a fim de lhe dizer qual fora o sonho.
Apresentando-se diante do soberano, ele disse que, embora fosse
lhe manifestar o sonho, rogava que o não julgasse mais hábil que os magos que
não o puderam fazer, pois na realidade não era mais sábio que eles: a revelação
que tivera foi motivada pela compaixão que Deus sentira pelo perigo em que ele
e seus companheiros se encontravam, por isso Ele lhe revelara o sonho e a sua
significação.
E acrescentou: "Eu, majestade, não estava menos
apreensivo pelo risco que corríamos eu e os meus companheiros que pela tristeza
de ver a injustiça que vossa majestade cometeu, condenando à morte tantos
homens de bem por não terem conseguido fazer uma coisa inteiramente impossível
aos homens, por mais inteligentes que sejam, e que somente Deus pode fazer. E
vossa majestade não estava menos apreensivo pelo risco que corria e estava ansioso
para saber quem dominaria depois de vossa majestade sobre todo o mundo. Deus,
para vos fazer conhecer esses monarcas, fez-vos ver em sonhos uma grande
estátua, cuja cabeça era de ouro, os ombros e os braços de prata, o ventre e as
coxas de bronze e as pernas e os pés de ferro. Vossa majestade viu depois uma
pedra rolar da montanha sobre a estátua, quebrando-a em pedaços e reduzindo-a a
um pó mais fino que a farinha, o qual o vento levou sem que tivesse ficado o
menor vestígio. Por fim, vossa majestade viu essa pedra crescer de tal modo que
esmagou com o seu peso toda a terra. Esse foi, majestade, o vosso sonho, e esta
é a explicação: a cabeça de ouro representa os reis da Babilônia vossos
predecessores. Os ombros e os braços de prata significam que o vosso império
será destruído por dois reis poderosos. As coxas de bronze dizem que outro rei,
vindo do lado do ocidente, destruirá esses dois reis. As pernas e os pés de
ferro mostram que, sendo o ferro mais duro que o ouro, a prata e o cobre, virá
um outro conquistador, que subjugará esse".
Daniel explicou também a Nabucodonosor o que significava a
pedra, mas como o meu intento é narrar somente coisas passadas, e não as que
estão por se realizar, nada mais direi. Se alguém desejar saber mais alguma
coisa em particular, leia nas Sagradas Escrituras o livro de Daniel.
Nabucodonosor, com transportes de alegria e de admiração por Daniel,
prostrou-se diante dele para adorá-lo e ordenou a todos os seus súditos que lhe
oferecessem sacrifícios, como ao seu Deus. Deu-lhe o nome daquEle que ele
reconhecia antes por Deus e honrou-o, bem como aos seus parentes, com os
primeiros cargos no seu império. Essa rápida e prodigiosa felicidade suscitou
tão grande inveja contra essas quatro pessoas que poderia lhes ter custado a
vida, como direi a seguir.
430. Daniel 3.
Nabucodonosor mandou fazer uma estátua de ouro de sessenta côvados de altura e
seis de largura, que foi colocada no grande campo da Babilônia. Quando de sua
consagração, mandou vir de todas as partes de seu território as pessoas mais
importantes e ordenou que ao primeiro som de trom-betas todos se prostrassem
por terra para adorá-la, sob pena de ser lançado numa fornalha ardente quem não
o fizesse. Todos obedeceram à ordem, exceto os amigos de Daniel, que disseram
não poder fazê-lo sem violar as leis de seu país. Imediatamente acusaram-nos, e
foram lançados na fornalha. Mas Deus os salvou por um efeito de seu infinito
poder: o fogo, parecendo reconhecer a sua inocência, respeitava-os, em vez de
consumi-los. Eles venceram as chamas, e tão grande milagre aumentou ainda mais
o respeito e a estima que o rei já lhes devotava, porque os considerava pessoas
de virtude extraordinária e muito particularmente queridos de Deus.
431. Daniel 4. Algum
tempo depois, o príncipe teve outro sonho, no qual parecia que ele fora privado
do reino e passara sete anos no deserto com os animais, sendo em seguida
restaurado à primitiva dignidade. Mandou chamar os magos, contou-lhes o sonho e
perguntou qual o seu significado. Mas nenhum deles soube responder. Daniel foi
o único a explicá-lo, com tal perfeição que tudo o que disse depois se
realizou. O príncipe tornou a subir ao trono depois de haver passado sete anos
no deserto e aplacado a cólera de Deus com uma grande penitência, sem que ninguém
durante todo esse tempo ousasse apoderar-se do trono. Quanto a isso, não devo
ser censurado por narrar o que se pode ler nas Sagradas Escrituras, pois desde
o princípio desta minha história preveni-me dessa acusação, declarando que não
pretendia fazer outra coisa senão escrever em grego, em boa fé, o que encontro
nos livros dos hebreus, sem nada aumentar nem diminuir.
432. Nabucodonosor
morreu após reinar quarenta e três anos. Era um príncipe muito inteligente e
foi muito mais feliz que os seus predecessores. Berose assim o descreve, no seu
terceiro livro da História dos Caldeus: "Nabopolassar, pai daquele de quem
acabamos de falar, tendo sabido que os governadores que ele pusera no Egito, na
Baixa Síria e na Fenícia se haviam revoltado contra ele e não estando mais na
idade de suportar as dificuldades de uma guerra contra eles, enviou
Nabucodonosor, seu filho, com uma parte de suas forças. O jovem príncipe venceu
os rebeldes, recolocou todas as províncias sob a obediência do rei seu pai e,
tendo sabido que naquele mesmo tempo este morrera na Babilônia, após reinar
vinte e um anos, passou a dirigir os destinos do Egito e das outras províncias.
Deixou aos oficiais em quem mais confiava o encargo de levar o seu exército
para a Babilônia com os escravos judeus, sírios, fenícios e egípcios.
Acompanhado por alguns poucos, passou pelo deserto e marchou rapidamente.
Depois de chegar, governou o império que fora administrado na sua ausência
pelos magos caldeus, dos quais o principal e de maior autoridade nada levara
tanto a peito para conservar-lhe o trono. E assim, ele sucedeu em todo o reino
ao rei seu pai. Uma das primeiras coisas que fez foi distribuir em colônias os
escravos recém-chegados. Consagrou no templo de Bel, seu deus, e em outros
templos os ricos despojos que havia conquistado. Não se contentou em restaurar
os antigos edifícios de Babilônia: aumentou também a cidade e fortificou o
canal. Para impedir que a atacassem e a pudessem tomar depois de atravessar o
rio, mandou fazer outro dentro. E fora, ergueu uma tríplice muralha, muito
alta, de tijolos refratários. Fortificou também todas as outras partes da
cidade. Fez portas monumentais e construiu um novo palácio perto do que fora do
falecido rei seu pai, do qual seria inútil referir a beleza e a magnificência.
Não poderia mesmo eu dizer que esse soberbo edifício foi construído em quinze
dias. E, como a rainha, sua mulher, que fora educada na Média, desejava ver
alguma semelhança com o seu país, mandou fazer, para lhe ser agradável, arcos
por cima desse palácio, com grandes pedras que pareciam montes. Mandou cobrir
esses arcos com terra e plantou sobre eles uma tal quantidade de árvores de
todas as espécies que esse jardim, suspenso no ar, passou a ser uma das
maravilhas do mundo".
Megastene, no seu quarto livro da História das índias, faz
menção desse admirável jardim e procura provar que esse príncipe sobrepujou
muito a Hércules pela grandeza de seus feitos e conquistou não somente a
capital da África, mas também a Espanha. Diocles também o cita na História da
Pérsia, e Filóstrato, na da índia e da Fenícia, declarando que ele sitiou
durante trinta anos a cidade de Tiro, da qual Stobal então era rei. Eis tudo o
que pude encontrar nos vários historiadores com relação a esse príncipe.
Que o Santo Espirito do Senhor, ilumine
o nosso entendimento
Não perca tempo, Indique esta maravilhosa
Leitura
Custo:O Leitor não paga Nada,
Você APENAS DIVULGA
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