História De Israel – Teologia 31.282
Prefácio de Josefo
De todas as guerras que se travaram, quer de cidade contra
cidade, quer de nações contra nações, nosso século ainda não viu outra tão
grande, e nós não sabemos que tenha havido outra semelhante, à que os judeus
sustentaram contra os romanos. Houve, no entanto, pessoas que se dispuseram a
escrevê-la, embora por si mesmos nada soubessem dela, baseando apenas seus
conhecimentos em relações vãs e falsas. Quanto aos que nela tomaram parte, sua
bajulação pelos romanos e seu ódio pelos judeus, fê-los relatar as coisas de
maneira muito diferente, da que de fato eram na realidade. Seus escritos estão
cheios de louvores de uns e de censuras dos outros, sem se preocupar com a
verdade. Foi isso que me fez decidir a escrever, em grego, para satisfação
daqueles que estão sujeitos ao Império Romano, o que escrevi há pouco em minha
língua, para informar as outras nações.
Meu pai chamava-se Matatias, meu nome é Josefo, sou hebreu
de nascimento, sacerdote em Jerusalém. No princípio combati contra os romanos e
a necessidade, por fim, obrigou-me a empreender a carreira das armas.
Quando essa grande guerra começou, o Império Romano era
agitado por questões internas; os mais jovens e os mais exaltados dos judeus,
confiando em suas riquezas e em sua coragem, suscitaram tão grande perturbação
no Oriente para aproveitar dessa ocasião, que povos inteiros tiveram receio de
lhes ficar sujeitos, porque eles tinham chamado em seu auxílio os outros judeus
que habitavam além do Eufrates, a fim de se revoltarem todos juntamente.
Foi depois da morte de Nero que se viu mudar a face do
império. A Gália, vizinha da Itália, sublevou-se. A Alemanha não estava
tranqüila; muitos aspiravam ao soberano poder; os exércitos desejavam a
revolução na esperança de com isso serem beneficiados. Como todas estas coisas
não poderiam deixar de ser mais importantes, a tristeza que senti por ver que
se desvirtuava a verdade tinha-me já feito tomar cuidado de informar exatamente
aos partos, aos babilônios, mais afastados, entre os árabes, aos judeus que
habitam além do Eufrates e aos atenienses da causa desta guerra; de tudo o que
se passou e de que modo ela terminou; e não posso ainda agora tolerar que os
gregos e os romanos que ali não estavam presentes o ignorem e sejam enganados
por esses historiadores bajuladores que só lhes narram fábulas.
Confesso não poder compreender sua imprudência, quando, para
fazer passar os romanos pelos primeiros de todos os homens, eles queriam
rebaixar os judeus e ajam assim contra sua intenção. Será uma grande glória
superar inimigos pouco temíveis? Ignoram eles as forças poderosas empregadas
pelos romanos nessa guerra, durante o tempo que ela durou e as dificuldades que
suportaram? Não consideram eles que é diminuir a estima do mérito extraordinário
de seus generais diminuir a da resistência que o valor dos judeus fê-los
experimentar na execução de tão difícil empreendimento?
Evitarei bem imitá-los, relevando além da verdade os feitos
dos de minha nação, como eles fizeram com os dos romanos. Farei justiça a uns e
a outros, relatando-os sinceramente; nada afirmarei que não possa provar; não
procurarei outro alívio em minha dor, senão deplorar a ruína da minha pátria.
Mas, o que pode melhor, que o imperador Tito, que teve a direção de toda a
guerra, dela referiu como testemunha, dar a conhecer que nossas divisões
domésticas foram a causa da nossa derrota e que não foi voluntariamente, mas
por culpa daqueles que se tinham tornado nossos tiranos, que os romanos
incendiaram nosso Templo? Esse grande príncipe, não somente teve compaixão
desse pobre povo, vendo-o correr para sua ruína, pela violência daqueles
facciosos, mas ele mesmo, muitas vezes diferiu a tomada da praça, para lhe dar
tempo e ocasião de se arrepender.
Se alguém julgar que meu ressentimento pela infelicidade de
meu país leva-me, contra as leis da história, a acusar fortemente aqueles que
lhe foram autores, que acrescentaram ladroeira pública à sua tirania, devem
perdoar-me e atribuí-lo à minha extrema aflição. Poderia ela ser mais justa, pois
entre tantas cidades sujeitas ao Império Romano não se encontrará uma que como
a nossa, tendo sido elevada a tão alto grau de honra e de glória, tenha caído
em miséria tão espantosa, que não creio que desde a criação do mundo algo se
tenha visto de semelhante. A isso acrescente-se que não é a inimigos externos,
mas a nós mesmos, que devemos atribuir nossas desgraças; como me poderei conter
em tamanha dor? Se, no entanto, se encontrarem pessoas que não se deixem
comover por esta consideração, mas queiram ainda condenar com rigor um
sentimento que me parece tão razoável, poderão ater-se à minha história,
somente nas coisas que eu refiro, e não se incomodar com minhas queixas,
admitindo-as apenas como uma efusão da alma do historiador.
Confesso que muitas vezes censurei, com razão, parece-me, os
mais eloqüentes gregos, porque embora as coisas acontecidas no seu tempo
sobrepujem de muito as dos séculos que os precederam, contentam-se em julgá-las
sem nada escrever e em censurar os que as escreveram, sem considerar que, se
eles lhe são inferiores em capacidade, têm sobre a vantagem de ter servido o
bem público, com seu trabalho; esses mesmos censores dos outros escrevem o que
se passa entre os sírios e os medas, como tendo sido mal narrado pelos antigos
escritores, embora não lhes sejam menos inferiores, na maneira de bem escrever
do que no intento que tiveram, escrevendo-as. Esses primeiros só referiram e
quiseram referir as coisas de que tinham conhecimento e teriam tido vergonha de
falsear a verdade diante daqueles que as tendo visto como eles, poderiam
desmenti-los. Assim, não poderíamos não louvá-los assaz por ter dado à
posteridade o conhecimento do que se passou no seu tempo, que ainda não tinha
aparecido em público; eles devem ser tidos como os mais hábeis, que em vez de
trabalhar sobre as obras de outros e em trocar somente a ordem, escrevem coisas
novas e compõem um corpo de história que somente a eles se deve. Por mim, posso
dizer que, sendo estrangeiro, não houve despesa que eu não fizesse, nem cuidado
que eu não tomasse, para informar os gregos e os romanos de tudo o que se
refere à nossa nação. Os gregos, ao contrário, falam muito quando se trata de
sustentar seus interesses, quer em particular, quer perante os juizes, mas
calam-se quando é preciso reunir com muita dificuldade tudo o que é necessário
para compor uma história verdadeira; e não acham estranho que aqueles que
nenhum conhecimento têm dos feitos dos príncipes e dos grandes generais e são
mui incapazes de os descrever, ousem fazê-lo. Isto mostra que quanto procuramos
a verdade da história tanto os gregos a desprezam e disso se descuidam.
Eu poderia dizer qual foi a origem dos judeus, de que
maneira saíram do Egito, por quais províncias vagaram durante longo tempo, as
que ocuparam e como passaram a outras. Mas, além de que isto não se refere a
este tempo, eu o julgaria inútil, pois vários da minha nação já o escreveram,
com muito cuidado, e os gregos traduziram-lhe as obras para sua língua sem se
afastar muito da verdade.
Assim, começarei minha história por onde seus autores e
nossos profetas terminaram as suas. Referirei particularmente, com toda a
exatidão que me for possível, a guerra que se travou no meu tempo e
contentar-me-ei em tocar brevemente o que se passou nos séculos precedentes.
Direi de que modo o rei Antíoco Epifânio, depois de ter
tomado Jerusalém e de tê-la possuído durante três anos e meio, de lá foi
expulso pelos filhos de Matatias, hasmoneu. Como a divisão suscitada entre seus
sucessores, com relação à posse do reino, atraiu os romanos sob o comando de
Pompeu. Como Herodes, filho de Antípatro, com o auxílio de Sósio, general do
exército romano, pôs fim à dominação desses príncipes hasmoneus. Como depois da
morte de Herodes, sob o reinado de Augusto, Quintílio Varo, governador da
Judéia, o povo se revoltou. Como no décimo segundo ano do reinado de Nero,
começou a guerra; o que se deu sob Céstio, que comandava as tropas romanas; os
primeiros feitos dos judeus e as praças que eles fortificaram. Como as perdas
sofridas em várias ocasiões por Céstio, fizeram Nero temer pelo êxito de suas
armas e ele as entregou a Vespasiano. Como esse general, acompanhado pelo mais
velho de seus filhos, entrou na Judéia com um grande exército romano; como um
grande número de suas tropas auxiliares foi desbaratada na Galiléia, como ele
tomou algumas cidades dessa província e outras se entregaram a ele. Referirei
também sinceramente, segundo o que vi e constatei com meus próprios olhos, o
proceder dos romanos nas suas guerras, sua ordem e sua disciplina: a extensão e
a natureza da alta e da baixa Galiléia, os limites e as fronteiras da Judéia, a
qualidade da terra, os lagos e as fontes, que aí se encontram e os males
suportados pelas cidades que foram tomadas. Não deixarei de falar do mesmo modo
daqueles que experimentei em minha vida e que são bem conhecidos.
Direi também como a morte de Nero aconteceu quando
Vespasiano se apressava para marchar contra Jerusalém, os interesses dos judeus
estavam já em péssimo estado e os do império chamaram-no a Roma; os presságios
que teve da sua futura grandeza; as mudanças sucedidas nessa capital do
império; como foi contra sua vontade declarado imperador pelos soldados e como
foi ao Egito para dar as ordens necessárias; como a Judéia foi agitada por
novas perturbações e como surgiram tiranos, uns contra os outros; como Tito à
sua volta do Egito entrou duas vezes naquela província, de que maneira e em que
lugar ele reuniu seu exército, de que modo e quantas vezes ele viu mesmo em sua
presença sucederem-se as sedições em Jerusalém; suas aproximações e todas as
dificuldades que empreendeu para atacar essa praça; qual a torre dos muros da
cidade, sua fortificação e a do Templo; a descrição do mesmo Templo, suas
medidas e as do altar; nisso nada omitirei. Falarei das nossas festas solenes,
das cerimônias que nelas se observam, das sete espécies de purificação; das
funções dos sacerdotes, suas vestes e os do sumo sacerdote; da santidade desse
Templo, sem nada deturpar, sem nada acrescentar. Farei ver também a crueldade
de nossos tiranos contra os da própria nação e a humanidade dos romanos
conosco, que éramos estrangeiros com relação a eles; quantas vezes Tito fez
tudo o que pôde para salvar a cidade e o Templo e reunir os que estavam tão
obstinadamente divididos. Falarei dos muitos e diversos males suportados pelo
povo, que depois de ter sofrido todas as misérias que a guerra, a carestia e as
sedições podem causar, por fim se viu reduzido à servidão, pela tomada dessa
grande e poderosa cidade. Não me esquecerei também de dizer em que desgraças
caíram os desertores da sua nação, a maneira como o Templo foi queimado, contra
a vontade de Tito, a quantidade de riquezas consagradas a Deus que o fogo
destruiu; a destruição completa da cidade, os prodígios que precederam essa
extrema desolação, a escravidão de nossos tiranos, o grande número daqueles que
foram levados cativos e suas diversas vicissitudes, de que maneira os romanos
perseguiram os que escaparam da guerra e depois de os ter vencido, destruíram
completamente as praças e os lugares para onde eles se haviam retirado. Por
fim, falarei da visita feita por Tito a toda a província para restabelecer a
ordem; da sua volta à Itália e do seu triunfo. Escreverei todas estas coisas em
sete livros, divididos em capítu-los, para satisfação das pessoas que amam a
verdade e não tenho motivo de temer que aqueles que tiveram a direção dessa
guerra ou que lá se encontraram presentes, me acusem de ter faltado à
sinceridade. Mas é tempo de começarmos a executar o que prometi.
Que o Santo Espirito do Senhor, ilumine
o nosso entendimento
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