E
quantos missionários, cujos pais não compartilhavam o ideal do filho, na hora
difícil da despedida, prestes a zarparem para outra terra, não têm ouvido dos
lábios dos próprios pais palavras mais ou menos assim: "Mas meu filho,
você odeia a gente, você vai abandonar a gente, vai se lascar sabe lá aonde,
não faça isso meu filho!". Naquela
hora de angústia os pais lançam mão de exatamente esse tipo de
linguagem--interpretam o procedimento do filho como descaso, desprezo, ódio
até. Daí se vê que ao fazer uso da palavra "aborrecer" Jesus não
estava exagerando, não estava sendo ridículo.
É isso mesmo--aborrecer.
No
entanto, gostaria de avaliar a questão da responsabilidade. Será que agi de
forma irresponsável ao levar minha família selva adentro morar com índio? Qual
seria melhor, a selva com Jesus ou a cidade sem Ele? Se levo a família para a
selva obedecendo a ordem de Jesus quem responde pelas conseqüências é Ele. Se
permaneço na cidade contra Sua vontade aí quem responde sou eu. Sei que a
questão é tanto séria como prática, pois conheço homens que sabiam
perfeitamente ter um chamado missionário mas não atenderam, alegando a
esposa--não poderia expor a mulher a esse tipo de vida.
Aliás,
o Antigo Testamento nos traz o relato de certos homens que fizeram opção semelhante--refiro-me
aos guerreiros de Israel em Cades-Barnéia. No cronograma de Deus estava na
hora de invadir a terra prometida, mas dez dos doze espias desanimaram a turma
e se rebelaram contra a ordem de Deus, ordem já dada e conhecida. Como justificativa alegaram que se
obedecessem seriam mortos e aí como seria o caso das mulheres e das crianças.
Não bastasse, ainda fizeram uma contraproposta a Deus--seria até melhor morrer
por ali. (É muito perigoso fazer contraproposta a Deus, pois Ele é capaz de aceitá-la,
como no caso em pauta.) Como resultado passaram mais 38 anos vagando no deserto
(ver Dt. 2:14) até que todos os homens que votaram contra Deus em Cades-Barnéia
morressem. Não ficou um sequer para atravessar o Rio Jordão. Já as mulheres e
crianças, a suposta justificativa pela desobediência, Deus fez entrar na terra
prometida.
Meus
irmãos, enfrentemos qualquer perigo menos desobedecer a vontade conhecida de
Deus. Fazer contraproposta nem se pense! Nosso Chefe se responsabiliza pelas
conseqüências das suas ordens, quando obedecidas. Privar a família da proteção
de Deus, expondo-a às conseqüências da nossa desobediência--isso sim é ser
irresponsável. Discípulo verdadeiro de Cristo deve sempre preferir
"aborrecer" a família, e sua própria pessoa, antes de desobedecer. É
isso mesmo.
"Levar
a Cruz"
A
segunda condição se encontra no verso 27 (Lc. 14). "Qualquer que não levar
a sua cruz, e não vier após mim, não pode ser meu discípulo." Que será que
o Senhor entende pela palavra "cruz"? Seria o adorno que alguém leva
no pescoço? Algum problema na vida ou aquele vizinho que você não agüenta? Não.
Há dois mil anos cruz significava uma só coisa--morte. Representava maneira de matar, aliás a mais
melindrosa da época. Creio que em Lucas 9:23 temos uma palavra que versa sobre
o mesmo assunto. Jesus disse a todos: "Se alguém quer vir após mim,
negue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e siga-me." O próprio
conteúdo semântico do verbo "levar" (Lc. 14:27) dá a idéia de uma
ação contínua. Já aqui em Lucas 9:23 temos que "tomar cada dia" a
nossa cruz--parece ser uma morte diária.
Aliás, o Apóstolo Paulo usa
exatamente essa expressão em 1 Coríntios 15:31, dizendo que ele morria cada
dia. Mas como entender essa expressão? Obviamente não se trata de morte física.
Como então? Creio que o "negar-se a si mesmo" (Lc. 9:23) nos aponta o
caminho certo. É uma morte para si, para as próprias idéias, ambições, desejos
e quereres; é um abrir mão do meu suposto direito de mandar na própria vida. E
esta atitude tem que ser renovada cada dia, e quem sabe cada hora. Parece-me
ser o efeito da expressão que achamos em Romanos 12:1 onde fala em
apresentarmos os nossos corpos em "sacrifício vivo".
Mas
essa expressão não lhe parece um pouco estranha? No Antigo Testamento, no meio
de tantos animais sacrificados, tantos holocaustos, houve alguma vez sacrifício
vivo? Como e quando passava um animal a ser sacrifício? Não era no momento da
degola, vertendo seu sangue? Logo, só teria sacrifícios mortos. Mas Paulo fala
de sacrifício "vivo". Creio ser exatamente o "levar da
cruz" que já notamos--é uma morte contínua, viver morrendo. É negar-se a
si mesmo a cada passo. E Jesus declara que sem esta disposição é impossível ser
discípulo dEle.
"Renunciar
Tudo"
A terceira condição se encontra no verso
33 (Lc. 14). "Assim, pois, qualquer de vós que não renuncia a tudo quanto
tem não pode ser meu discípulo." O "assim pois" liga este verso
às duas ilustrações dadas nos versos 28 a 32.
Creio que essas ilustrações dizem mais respeito ao ato de entrar na
condição de discípulo, que iremos examinar daqui a pouco, mas interessa
observar aqui que se trata duma decisão consciente e estudada, um ato do
arbítrio. E não pode ser diferente, pois aqui Jesus exige uma renúncia
completa, uma entrega sem reservas--enfim, "tudo quanto tem".
Avaliando as três condições juntas,
podemos constatar que de certa forma são três maneiras diferentes de dizer a
mesma coisa. Embora uma condição focalize os relacionamentos, outra as ambições
e a terceira as coisas, são expressões de uma realidade básica. Nosso Senhor
Jesus Cristo exige compromisso total! Agora podemos afirmar a definição que o
Senhor deu à idéia de "discípulo". Para Jesus, discípulo é alguém que
tem (e mantém) compromisso total com Ele.
Voltando a Mateus 28:19, vamos ver
se entendemos melhor a ordem. A ordem é, fazer discípulos--discípulos, não
meramente "crentes" ou convertidos--discípulos, na acepção da palavra
que o Senhor Jesus tinha, e tem--discípulos, pessoas cujas vidas efetivamente
giram em torno da Causa e da Vontade de Cristo, pessoas que vivem em função do
Reino, no duro, para valer!
O
Efeito Estratégico
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