História Do Cristianismo -
Teologia 32.64
O IMPERADOR TEODÓCIO
Depois da morte do seu tio, o
imperador Valente (um grande partidário de Ario), Graciano ficou como o único
governador do império, mas, sentindo-se incapaz de suportar o peso de
ansiedade inerente a esta nova responsabilidade, determinou investir com a
púrpura imperial Teodócio, um espanhol de nascimento nobre. Era este o filho do
general Teodócio, que tinha prestado bons serviços na Bretanha, durante o
reinado de Valenciano, reprimindo as incursões dos pictos e escosses; e
Graciano tinha toda confiança na sua energia e habilidade. E tinha razão,
porque Teodócio era homem de grande piedade e boas qualidades, e o seu reinado,
que durou perto de dezesseis anos, foi notável pela sabedoria e moderação que
mostrou, e que convinha a um governador cristão. Mas, assim como o Davi dos
tempos antigos, também o seu caráter teve algumas manchas, e durante a sua vida
praticaram-se atos negros e sangrentos. Os seguintes fatos falam por si.
Tinha havido um tumulto em
Tessalônica, devido à prisão de um homem muito estimado. Durante esse tumulto
o general Botênio e vários oficiais perderam a vida. Teodócio, cheio de
indignação por este ultraje, determinou vingá-lo; e para esse fim deu
instruções secretas para se proceder a uma carnificina geral nos habitantes.
Sob o pretexto de que ia ter lugar uma exibição de jogos públicos, reuniu-se
uma enorme multidão de gente no circo da cidade, e seguiu-se uma cena medonha
em que quinze mil pessoas perderam a vida. Ambrósio, ao qual o imperador tinha
prometido que não faria caso da ofensa, ficou cheio de pesar e admiração quando
recebeu esta notícia e, retirando-se para um deserto próximo, escreveu ao
imperador uma carta muito severa, repreendendo-o. O bispo era homem de caráter
bom e amável, e os mais pobres do seu rebanho podiam sempre chegar-se a ele;
mas também sabia ser firme quando era preciso, e viu que era agora ocasião de o
ser. Quaisquer que fossem os seus sentimentos íntimos para o imperador, nada se
podia colocar no caminho do seu dever para com Deus. Na sua presença quaisquer
sentimentos ou distinções humanas haviam de desaparecer.
Tratava-se dos direitos da
glória divina, e eles deviam ser sustentados a todo o custo. Ambrósio,
compreendeu perfeitamente a sua posição, mas o seu desgosto não foi mais
verdadeiro do que o de Teodócio. A consciência do imperador despertou
verdadeiramente, e o seu coração sentiu o duplo peso da censura do bispo, e da
sua própria culpabilidade sanguinária. O seu primeiro pensamento foi recorrer
à igreja, mas Ambrósio, que soube disso apressou-se em ir a Milão para o
impedir de assim fazer. Os dois homens encontraram-se no pórtico da igreja, e
houve uma cena notável entre eles. Quando o imperador avançava para entrar na
igreja, o bispo agarrou-lhe o vestido e conjurou-o solenemente a que recuasse.
O imperador apresentou as suas razões, mas Ambrósio conservou-se firme. As
expressões particulares de pesar foram inúteis: o fato tornara-se público, e o
bispo nada queria admitir a não ser depois duma confissão pública.
"Imperador", disse o inflexível bispo, "parece que não conheces
a enormidade do ato que praticaste; nem mesmo depois que cessou a tua raiva
veio a razão fazer-te conhecer o crime cometido. Na verdade não convém que,
enganado, pelo esplendor da púrpura, ignores a fraqueza do corpo que ela
cobre. Imperador, tu governas criaturas cuja natureza é igual à tua; e ainda
mais, criaturas que são escravas como tu, porque Deus é o único Senhor e
soberano de todos, sem exceção. Como pois hás de receber com as tuas mãos
impuras o corpo supremamente santo do Senhor? E como hás tu, de, depois de
derramares tanto sangue injustamente, aproximar da tua boca o cálice que fala
do seu sangue? Afasta-te então deste lugar, e não tentes aumentar tuas
transgressões passadas com novas culpas."
Teodócio aceitou esta censura e
retirou-se. Passaram-se oito meses, e durante este tempo fechou-se no seu palácio,
onde se dedicou à oração e à humilhação. Entretanto aproximava-se o Natal, e
nesse dia apresentou-se novamente no pórtico da igreja. "Lamento
profundamente", disse ele, "que o templo de Deus, e por conseqüência
o Céu, esteja fechado para mim, ao passo que está aberto aos escravos e
mendigos". Mas o bispo queria provas da sinceridade do seu
arrependimento. "Que mudança de espírito tens apresentado?",
perguntou-lhe, "depois de tão grande transgressão? E com que remédios tens
curado as tuas feridas?"
Então o imperador respondeu:
"E vosso dever indicar os remédios, e o meu receber e fazer uso das vossas
prescrições". "Nesse caso faz uma lei," replicou Ambrósio,
"pela qual todos aqueles que têm a seu cargo fazer cumprir as ordens
imperiais, adiem por espaço de trinta dias o castigo dos que tenham sido
condenados à morte, para que, este intervalo, dê tempo a que a cólera do
imperador se abrande, dando ocasião ao exercício da misericórdia, devido a
qualquer mudança que tenha havido no seu espírito". Teodócio anuiu a isto,
e deu ordens para que se publicasse imediatamente uma lei neste sentido.
Ambrósio então deixou-o entrar na igreja. Despojando-se em seguida do seu
manto imperial, Teodócio, com o rosto ao chão orou em voz alta as palavras do
Salmo 119 versículo 25: "A minha alma está pegada ao pó: viuifica-me
segundo a tua Palavra. " Esta cena foi enternecedora, e o povo,
unindo-se à oração do imperador, misturou as suas lágrimas com as dele.
Refletindo nesta notável
ocorrência concordamos plenamente com a seguinte opinião de um escritor moderno:
"Livre das superstições e formalidades próprias dessa época, temos diante
de nós um caso da mais genuína e salutar disciplina... O procedimento de
Teodócio não foi o resultado de fraqueza ou de pusilanimidade, mas sim, de um
sentimento real do seu crime; duma consciência terna; dum conhecimento dos
direitos de Deus, ao qual todas as grandezas do mundo estão sujeitas".
Que o Santo Espirito do Senhor, ilumine
o nosso entendimento
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Leitura
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