História Do Cristianismo -
Teologia 32.144
TOMAZ A BECKET
Do nascimento e da família
deste homem extraordinário nada se sabe, ainda que haja quem afirme que ele
era filho de um negociante de Londres. Começou os estudos em Oxford, e
acabou-os em Bolonha; então entrou ao serviço da igreja e elevou-se, a passos
rápidos, à dignidade de arcediago de Cantuária.
O rei Henrique II, que então
ocupava o trono da Inglaterra, tinha apenas vinte e cinco anos de idade, mas
já havia começado a mostrar um espírito independente, e prometia, como o pai,
reprimir em grande parte o poder papal. Isto levantou graves receios no
espírito de Teobaldo, arcebispo de Cantuária, que procurou colocar próximo do
rei um homem enérgico e de habilidade, que fosse dedicado à igreja e capaz de
resistir esta oposição, e que, em caso de necessidade, vencesse a vontade, do
rei.
Pareceu-lhe que esse homem era
Becket, e quando o lugar de chanceler do reino vagou-se, recomendou o arcediago
como pessoa muito competente para o desempenhar. A sua recomendação foi bem
recebida, e em breve
Becket tornou-se um favorito do rei. Caiu nas boas graças do
seu soberano, entrou em todos os seus projetos, e até (pois isso fazia parte de
sua astúcia política) acompanhou-o nos seus esforços para reprimir a invasão do
poder papal na Inglaterra. Tornou-se notável, nesta época, pela sua natureza
mundana e pela maneira principesca em que vivia. Na caça, nos banquetes, nos
torneios a sua presença era sempre precisa; e quando saía tornava-se mais
notável do que os outros nobres pela magnificência da sua equipagem e pelo
esplendor da sua comitiva, que geralmente se compunha de seiscentos a
setecentos cavaleiros.
Henrique parecia sempre
felicíssimo quando estava com seu favorito; e enquanto esteve com Becket a
amizade foi recíproca; mas logo que o monarca confiante o elevou ao arcebispado
de Cantuária, vago pela morte de Teobaldo, ele mudou completamente de tática e
mostrou bem ser inflexível vassalo de Roma. Os seus pedidos então tornaram-se
arrogantes e urgentes; e pouco depois o rei sentia amargamente ter dado tais
honras ao seu favorito.
Durante algum tempo tinha o
clero da Inglaterra estado a diligenciar para obter a imunidade das leis
civis; e, na verdade, tinha conseguido em tudo seus fins. Entre os anos de 1154 a 1163 nada menos de
cem assassinatos e grande número de orgias tinham sido cometidos por homens com
ordens sacerdotais, e nem um só dos criminosos tinha sido chamado a responder
pelo seu crime. Isto só por si é conclusivo. Becket favorecia agora a causa
dos padres, e oferecia a sua proteção ao assassinato e ao incesto. Viu-se quanto
ele os protegia quando tomou debaixo da sua proteção um padre acusado de
sedução, e de ter, mais tarde, assassinado o pai da sua infeliz vítima. O rei
exigiu que o criminoso fosse entregue, mas não se fez caso da sua ordem. O
prelado altivo respondeu que a degradação do delinqüente era castigo
suficiente, e firmou-se resolutamente nesta resposta.
Para remediar estes abusos, e
definir mais claramente a sua prerrogativa, o rei reuniu os seus barões e
consultou-os sobre o que havia a fazer; e, como eles partilhassem das idéias do
seu soberano e reconheciam a necessidade de adotar medidas enérgicas para
proteger o povo dos ataques do clero, trataram de redigir o notável código de
leis, conhecido por "Constituições de Clarendon". Foi ali de do,
entre outras coisas, que se algum processo se levantasse entre qualquer
eclesiástico e um leigo, seria decidido nos tribunais do rei, e não em Roma.
Becket assinou estas
constituições de muito má vontade, e logo violou o seu compromisso apelando
para Roma. Em seguida, como estivesse forte com a promessa da indulgência do
papa, recusou em absoluto reconhecê-las. Tinha, é verdade, assinado essas leis
novas, mas declarou que não se tinha comprometido a confirmá-las, pondo-lhes o
seu selo, e por meio deste subterfúgio limitou as conseqüências do seu ato.
A igreja e a coroa tinham-se
agora declarado uma contra a outra, e era evidente que o conflito entre o rei
e o clero, que Hildebrando tinha começado havia um século, estava agora para
ser continuado na Inglaterra. O primeiro ato de Becket bem mostrou como ele
compreendia o espírito da época. Abandonou o seu lugar; despediu a sua numerosa
comitiva e trocou as suas vestimentas ricas por uma camisa de crina e um hábito
de monge, e entregou-se a todas as austeridades de uma vida monarcal. A sua
falsa santidade foi a sua arma, e depressa atraiu a si a simpatia do povo
supersticioso. Henrique, porém, apesar de estar desgostoso com o procedimento
do seu arcebispo, não se rendeu tão facilmente, e, depois de empregar algumas
vãs tentativas para trazer de novo à submissão o bispo rebelde, mandou proceder
contra ele como traidor. Becket, entretanto, tinha pedido licença para sair do
reino; mas, conhecendo o gênio de Henrique, e receando pela sua vida, tratou
de se pôr a salvo por meio da fuga, logo que soube das idéias do rei. Saiu às
escondidas de noite de Northanston e, dando muitas voltas para iludir seus perseguidores,
fugiu para o continente onde foi recebido com honras e sinais de afeto pelo
rei da França, e, por conselho do papa, retirou-se para a abadia de Pontigny,
onde tomou hábito de monge da ordem de Cister, e aguardou com inquietação o
resultado dos acontecimentos.
Fora declarado traidor, e os
seus parentes e amigos foram expulsos do reino; mas Becket vingou-se
excomungando todos os seus adversários. A cerimônia da excomunhão realizou-se
na igreja de Vizelay, e pareceu que foi excepcionalmente terrível e imponente.
No meio do badalar dos sinos, e da lúgubre entonação dos padres, foi lida a
fórmula impiedosa, e umas vinte ou mais pessoas, cujo único crime era obedecer
às ordens do seu soberano, foram votadas pela maldição do arcebispo, a uma vida
de horrível sofrimento na terra e de inextinguíveis chamas no inferno. As
cruzes dos altares foram invertidas; apagaram as tochas; deixaram os sinos de
tocar; os padres e o povo afastaram-se vagarosamente do edifício, e a igreja
ficou silenciosa, solitária e em trevas.
A luta entre Henrique e Becket
durou sete anos, e mais tempo teria durado provavelmente se os pedidos simultâneos
de Luís XII e do papa não tivesse conseguido que Becket voltasse a ocupar seu
antigo lugar. Quando voltou para o seu país mostrou-se tão altivo e
intransigente como quando de lá tinha saído. Nada diremos, porém, acerca das
questões que se deram com o rei, e da péssima conduta do arcebispo para com
ele. A narrativa seria interessante, mas não entra nos limites da nossa história.
A sua insolên-cia e orgulho por fim tornaram-se insuportáveis, e a imprudente
observação que fez um dos bispos a Henrique de que não haveria paz para ele,
nem para o seu reino, enquanto Becket fosse vivo, avivou o grande ressentimento
do rei e obrigou-o a exclamar: "Não haverá ninguém que me livre deste
padre turbulento?" Quatro cavaleiros que ouviram estas palavras
dirigiram-se logo a Cantuária e, não podendo conseguir do altivo prelado uma
promessa de obediência ao seu soberano, assassinaram-no perto do altar da catedral.
Que o Santo Espirito do Senhor, ilumine
o nosso entendimento
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