Matéria: BATALHA
ESPIRITUAL
Introdução
As igrejas do mundo todo têm sido desafiadas nestas últimas três décadas a dar respostas às ênfases de um movimento dentro das suas fileiras que ficou conhecido como "movimento de ‘batalha espiritual’". O nome em si já sugere do
que
se trata: é um movimento cuja ênfase maior é na luta da Igreja de Cristo contra
Satanás e seus demônios, conflito este de natureza espiritual, quanto aos
métodos, armas, estratégias e objetivos.
Esse
crescente interesse em círculos evangélicos por Satanás, demônios, espíritos
malignos, e o misterioso mundo dos anjos, corresponde ao surto de misticismo
atual, um interesse crescente no mundo nos dias de hoje pelos anjos maus e
bons, e pelo oculto. Mas não somente no mundo, dentro da própria igreja cristã
assistimos o crescimento vertiginoso da busca pelo miraculoso e sobrenatural,
na esteira do neopentecostalismo. Por neopentecostalismo quero dizer aqueles
movimentos surgidos em décadas recentes, que são desdobramentos do
pentecostalismo clássico do início do século, mas que abandonaram algumas de
suas ênfases características e adquiriram marcas próprias, como ênfase em
revelações diretas, curas, batalha espiritual, e particularmente uma maneira de
encarar a realidade espiritual.
Esse
movimento é caracterizado por uma leitura das Escrituras e da realidade sempre
em termos da ação sobrenatural de Deus. Deus é percebido somente em termos de
sua ação extraordinária. Assim, para o neopentecostal típico, Deus o guia na
vida diária através de impulsos, sonhos, visões, palavras proféticas, e dá
soluções aos seus problemas sempre de forma miraculosa, como libertações,
livramentos, exorcismos e curas. A doutrina que caracteriza, mais que qualquer
outra, as igrejas evangélicas no Brasil hoje, é a crença em milagres. É claro
que não estou dizendo que crer em milagres seja errado. O que estou dizendo é
que, na hora em que a crença em milagres contemporâneos e diários passa a ser a
característica maior da igreja evangélica, algo está errado.
A
hermenêutica sobrenaturalista do neopentecostalismo representa um desafio para
a uma das doutrinas típicas da tradição reformada, que é a providência de Deus.
Partindo das Escrituras, os reformados usam o termo providência para se referir
à ação de Deus, pelo seu Espírito, agindo no mundo através de pessoas e
circunstâncias da vida para atingir seus propósitos. Esses meios não são
intervenções miraculosas ou extraordinárias de Deus na vida humana, mas
simplesmente meios naturais secundários. Reconhecemos que Deus intervém
miraculosamente neste mundo, mas sempre em regime de exceção. Normalmente, ele
age através dos meios naturais.
O
neopentecostalismo, por enfatizar a ação sobrenatural e miraculosa de Deus no mundo
(a qual não negamos, diga-se), acaba por negligenciar a importância da operação
do Espírito Santo através de meios secundários e naturais. Essa negligência
torna-se mais séria quando nos conscientizamos que o Espírito normalmente
trabalha através de meios secundários e naturais para salvar os pecadores.
Acredito não ser difícil de provar que a esmagadora maioria dos cristãos foram
salvos através de meios naturais – como o testemunho de alguém, a leitura da
Bíblia, a pregação da Palavra – e não através de intervenções miraculosas e
extraordinárias, como foi a conversão de Paulo.
Como
resultado do sobrenaturalismo neopentecostal, as igrejas reformadas por ele
afetadas tendem a considerar os meios naturais como sendo espiritualmente
inferiores. Um bom exemplo é a tendência de considerar o tomar remédios como
falta de fé por parte do crente adoentado. Um outro resultado é a diminuição da
pregação do Evangelho como meio de salvação dos pecadores, e a ênfase na
realização de como meio evangelístico. Assim, a obra do Espírito na Igreja e no
mundo através dos meios naturais secundários é negligenciada, com graves e
perniciosos efeitos nas vidas dos que abraçam a cosmovisão neopentecostal.
As
conseqüências desta maneira de ver a realidade espiritual são sérias para a
área do conflito da igreja contra as hostes das trevas, pois a concebe apenas
em termos do sobrenatural, negligenciando o ensino bíblico de que Satanás
procura atingir a Igreja de Cristo através da carne e do mundo – meios que não
são
necessariamente sobrenaturais.
Conquanto
devamos dar as boas vindas a todo e qualquer movimento na Igreja que venha nos
ajudar a melhor nos preparar para enfrentar os ataques das hostes malignas
contra a Igreja, este movimento polêmico tem trazido algumas preocupações
sérias a pastores, estudiosos e líderes evangélicos no mundo todo, não somente
das igrejas evangélicas históricas, como até mesmo de igrejas pentecostais
clássicas.
Mesmo organizações internacionais, como o Comitê de Lausanne para Evangelização
Mundial, têm expressado suas preocupações com os ensinos deste movimento, numa
declaração do seu Grupo de Trabalho feita em 1993, em Londres.
Existem várias razões para essa preocupação. Uma delas é que o movimento, onde
tem ganhado a adesão de pastores e comunidades, tem produzido um tipo de
cristianismo em que a atividade satânica se tornou o centro e mesmo a razão de
ser da existência destes ministérios e igrejas. Nestes casos, embora geralmente
as doutrinas fundamentais da fé cristã não tenham sido negadas (há exceções),
elas são, via de regra, relegadas a plano secundário, desaparecendo do ensino e
da liturgia. O que resulta é um cristianismo distorcido, deformado, onde
doutrinas como a salvação pela fé somente,
mediante
o sacrifício redentor, único e expiatório de Cristo. A doutrina da pessoa de
Cristo, sua mediação e ofícios, e doutrinas como a da queda, da depravação do
homem, da santificação progressiva mediante os meios de graça, são
negligenciadas. Não é que estas igrejas e os proponentes do movimento neguem
necessariamente estes pontos; mas certamente não lhes dão a ênfase necessária e
devidas, que recebem nas próprias Escrituras. O fato é que o movimento de
"batalha espiritual" tem produzido o surgimento de novas igrejas (e
mesmo denominações) cujo ministério principal é a expulsão de demônios e a
"libertação" de crentes e descrentes da opressão demoníaca a todos os
níveis (espiritual, moral e física, bem como geográfica, estrutural e social).
Mas não somente isto — as idéias e práticas difundidas pelo movimento tem se
infiltrado nas igrejas históricas, cativando muitos dos seus pastores, oficiais
e membros.
O
objetivo desse capítulo é apresentar alguns princípios bíblicos pelos quais os
evangélicos em geral, e presbiterianos em particular, poderão orientar sua
compreensão acerca de tema tão atual e polêmico.
Que o Santo Espirito do Senhor, ilumine o nosso entendimento
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