História Da Igreja - Teologia
30.114
No cerco de Jerusalém Flávio Josefo
está ao lado de Tito e tenta, repetidamente, convencer os sitiados a se
renderem. Objetivamente, Josefo é um traidor,
mas não é assim que ele se vê. Diz,
por exemplo, aos sitiados que os romanos são os senhores do universo, que
ninguém pode escapar deles, e, até mesmo,
que Deus agora está é do lado deles e
não com os judeus... Disse Josefo
“Que, se é vergonhoso estar sujeito a
um poder desprezível, não o é ter como senhores àqueles que reinam em toda a
terra, pois, que país está isento do
domínio dos romanos, senão aquele que
um excessivo calor ou um frio insuportável o teria tornado inútil? Que se via
que de todos os lados a fortuna lhes estendia os braços e que Deus, que tem em
suas mãos o império do mundo, depois de tê‐lo, no correr dos séculos, dado a
diversas nações, tinha então estabelecido a sua sede na Itália?”1[27].
Além desse argumento “teológico”,
oferecido aos sitiados, Josefo fornece ao leitor outras razões para explicar a
derrota de Jerusalém. Segundo ele, a cidade estava tão dividida em facções em
luta que os próprios judeus foram os maiores responsáveis por sua derrota. Em
suas palavras:
“Podemos dizer com verdade que uma
guerra tão cruel em seu interior, não lhes era menos funesta que uma guerra
externa e que Jerusalém não sofreu mais
da parte dos romanos, do que o furor
dessas infelizes divisões, que já lhe havia feito experimentar males ainda
maiores. Assim não tenho receio de afirmar que é principalmente a esses inimigos
de sua pátria e não aos romanos, que devemos atribuir a ruína dessa poderosa
cidade e que a única glória que lhes
pode caber é ter exterminado esses malfeitores, cuja
impiedade unida a tantos outros crimes que nem poderíamos imaginar, lhe tinha
destruído a união que
lhe dava muito mais força que suas
mesmas muralhas. Não podemos pois dizer, com razão, que os crimes dos judeus
são a verdadeira causa de suas desgraças e que, o que os romanos lhes fizeram
sofrer, não foi um justo castigo? Deixo, porém, a cada qual, que julgue como
lhe aprouver”2[28].
E o pior é que, em sua frase final,
ele instala, no leitor, a dúvida: você deve decidir... Não terá sido merecido o
“castigo” infligido aos judeus? E é preciso acrescentar o seguinte: em toda
esta parte de A Guerra Judaica, Tito sempre aparece como bom e compassivo,
enquanto os líderes da revolta são terríveis e sanguinários. Se no acampamento
romano acontece algo de cruel com judeus desertores ou capturados – como o caso
dos dois mil que tiveram suas barrigas abertas pelos soldados que procuravam o
pretenso ouro que teriam engolido ao sair de Jerusalém – jamais é com a
aprovação do “justo” Tito. São “excessos” cometidos por tropas
auxiliares...3[29].
Creio que aqui será o momento certo
para colocarmos a dura avaliação que Giuseppe Ricciotti faz de Flávio Josefo em
sua introdução à tradução para o italiano de A Guerra Judaica4[30].
Diz Ricciotti na p. 6: “Josefo (...)
tinha tanta ambição e tanto apego à sua carreira política que preferiu
curvar‐se, como um frágil caniço, em várias direções”. E
na p. 12: “O fator político contava,
para Josefo, apenas enquanto era um meio para triunfar, e qualquer ideologia
abstrata era afirmada ou negada segundo
as circunstâncias o exigiam”.
Ou na p. 34 da mesma obra: “Julgado
como homem, Josefo aparece como um espírito mesquinho, sem caráter, disposto a
fazer qualquer negocio desde que alcançasse seus objetivos”. E na p. 41: “Considerando
o título Guerra judaica como original e autêntico, temos nele mesmo o ponto de
vista a partir do qual
fala o historiador: é o ponto de
vista dos romanos, não o dos judeus...”.
Por sua vez, Emil Schürer diz que
sobre o caráter de Josefo as opiniões expressas ao longo dos séculos são
bastante contraditórias. Supervalorizado na Idade
Média, ele tem sido mais duramente
tratado pelos críticos modernos. E acrescenta: “Ninguém vai querer defender o
seu caráter. As características básicas de
sua personalidade foram vaidade e
complacência. E mesmo que ele não tenha sido o infame traidor que a
Autobiografia parece mostrar, a sua passagem
para o lado dos romanos e sua íntima
adesão à família imperial Flávia foram feitas com mais ingenuidade e
indiferença do que se poderia esperar de alguém
que lamentava a queda da própria
nação” 5[31].
Após a guerra, Flávio Josefo vai
viver em Roma, recebendo de Vespasiano uma casa, pensão, propriedades e a
cidadania romana. Casa‐se 4 vezes, tem 3
filhos, como vimos, e morre em 102 ou
103 d.C., em Roma.
Nestes cerca de 30 anos morando em
Roma, Josefo escreve extensa obra sobre os judeus e a guerra judaica contra
Roma: Bellum Iudaicum (A Guerra Judaica)
em 7 livros; Antiquitates Iudaicae
(Antigüidades Judaicas) em 20 livros; Contra Apionem (Contra Apião) em 1 livro
e Vita (Autobiografia) também em 1 livro.
A Guerra Judaica é escrita
primeiramente em aramaico e, em seguida, entre 79 e 81 d.C., traduzida para o
grego. Alguns acham que é por remorso ‐ pelo modo suspeito como salva sua vida
‐ que Flávio Josefo escreve esta obra. Mas é mais provável que A Guerra Judaica
seja uma obra de encomenda. Sendo
ainda numerosos os judeus tanto no
Império Romano quanto nas regiões dos partos, babilônios e árabes, e
esboçando‐se possibilidades de novas revoltas, é preciso dissuadir qualquer
nova tentativa de insurreição. E a melhor dissuasão é o relato da guerra na
Judéia. E quem melhor do que Josefo para fazê‐lo?6[32]
Ao descrever o poderio do exército
romano, como, aliás, já anotamos acima, Josefo diz:
“Meu fim, no que acabo de dizer, não
é tanto tecer elogios aos romanos, mas consolar àqueles que eles venceram e
fazer os outros perder o desejo de se revoltar contra eles” (sublinhado
meu)7[33].
Josefo não faz uma simples crônica
dos acontecimentos da guerra. Ele dedica o primeiro livro inteiro às causas
remotas da guerra, voltando no tempo até a revolta dos Macabeus no século II
a.C.
Seus modelos são os gregos Tucídides
e Políbio. Tucídides é um historiador ateniense que vive entre 460 e 400 a .C., aproximadamente.
Escreve a história da guerra do Peloponeso, considerada uma das mais
importantes obras históricas de todos os tempos por sua imparcialidade e seu
método científico.
Políbio nasceu em Megalópolis, na Arcádia
em 202 aproximadamente e morreu em 120 a .C. Escreveu, além de outras obras, a
“História”, em 40 livros, dos
quais somente os 5 primeiros
sobreviveram na íntegra. A obra visa registrar a ascensão rápida e dramática de
Roma à supremacia do Mediterrâneo. “Ele teve
a percepção clara, notável num
contemporâneo, do posição a que Roma havia chegado no mundo mediterrâneo.
Políbio procura sistematicamente as causas
dos eventos (‘nada, seja provável,
seja improvável, pode acontecer sem uma causa’), seguindo a evolução das nações
e seu declínio, e não se equivocou ao expor as causas da decadência da Grécia.
Sua narrativa é clara e simples, sem artifícios de retórica, escrita no dialeto
comum baseado no ático, predominante
na Grécia a partir de 300 a .C.”, comenta Paul Harvey8[34].
Mas, como bom judeu, Josefo sempre
destaca, em sua história, além das causas humanas, a ação da providência divina
que tudo dirige. No prefácio de A Guerra Judaica, o próprio Josefo explica a
sua concepção de história:
"Indiscutivelmente, o
historiador que merece elogios é aquele que consigna acontecimentos cuja
história nunca foi escrita e que elabora a crônica de seu tempo, tendo em vista
as gerações futuras"9[35].
Antiguidades Judaicas, publicada em
grego, é sua segunda obra e fica pronta em 93 d.C.
Josefo, como qualquer judeu da época,
sofre muito com a ignorância do mundo greco‐romano acerca dos judeus e de seus
costumes, tradições e crenças. Os judeus são vistos e julgados a partir dos
padrões culturais e civilizatórios gregos, transformando‐se assim a sua
história em uma história muitas vezes mítica e absurda porque a diferença
cultural não é respeitada. Os costumes alimentares e cultuais judaicos, em
geral causam profunda estranheza ao mundo grego.
Além do que, as origens de Israel são
freqüentemente desfiguradas por feroz anti‐semitismo que tem sua origem nos
conflitos da época, e que não deveria
ser assim retroprojetado, pelos
autores gregos que escrevem sobre os judeus, para o fim do II milênio.
Antiguidades Judaicas não tem, portanto,
apenas o objetivo de informar, mas Josefo quer, através de uma história de
milênios, defender seu povo e impressionar os romanos. Mostrar a antiguidade
das origens é, na sua época, fundamental para qualquer povo que queira ser
respeitado.
Para nós, Antiguidades Judaicas é
importante, especialmente quando trata da história dos Macabeus e do governo de
Herodes Magno.
Como dissemos acima, o anti‐semitismo
está em pleno florescimento no século I d.C. e se manifesta sobretudo entre
escritores egípcios helenizados de
Alexandria. É contra este
anti‐semitismo que Josefo escreve o Contra Apião em 95 d.C., contestando como
falsas várias idéias bastante difundidas em Roma
por esse popular autor10[36].
Apião (Apíôn), que pode ser situado
na primeira metade do século I d.C., "era um escritor e professor grego de
origem egípcia, que exerceu um importante
papel na vida cultural e política de
seu tempo. Ele ficou famoso como um mestre em Homero e como autor de uma obra
sobre a história do Egito"11[37].
Apião não nasce em Alexandria, mas
torna‐se cidadão alexandrino. Representa os gregos contra os judeus de
Alexandria diante de Calígula, enquanto Fílon
de Alexandria representa os judeus,
no ano 40 d.C., na questão dos direitos cívicos dos judeus alexandrinos.
Apião é o mais ferrenho dos
anti‐semitas do mundo helenístico e, como é um escritor muito popular, tem
grande influência na formação da opinião pública
culta de sua época, e, por isso,
Flávio Josefo o escolhe como alvo entre todos os anti‐semitas. Ele fala dos
judeus nos livros 3 e 4 de sua Aegyptiaca.
A última obra de Josefo é a
Autobiografia, escrita após 95 d.C., não se sabe exatamente em que ano. O livro
é motivado por um relato da guerra escrito por
seu velho inimigo Justo de
Tiberíades.
Justo é um dos mais ardorosos líderes
galileus na revolta contra Roma e confronta‐se com o moderado Josefo nos meses
que antecedem a chegada de Vespasiano. Em sua obra, infelizmente perdida,
Justo, entretanto, descreve Josefo como um nacionalista judeu fanático e destaca
o seu papel anti‐romano na guerra, deixando o nosso autor em situação perigosa
com essa inversão dos fatos.
Josefo critica violentamente a
história escrita por Justo, chamando‐o ironicamente de o mais genial dos
escritores e perguntando‐lhe porque não escreveu
sua obra quando ainda estavam vivos
Vespasiano e Tito, que conduziram as operações da guerra.
A Autobiografia não é uma grande
obra: polêmica, pesada e confusa, deixa o leitor indiferente ou cansado. Mas,
por outro lado, traz muitos dados sobre
Josefo, transformando‐o no escritor
da antigüidade sobre quem mais informações possuímos.
Que o Santo Espirito do Senhor, ilumine o nosso entendimento
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