História De Israel – Teologia 31.277
Vida de Flávio Josefo
Escrita por Ele mesmo Parte 1
Como a minha origem remonta a uma longa série de
antepassados de família sacerdotal, eu poderia vangloriar-me da nobreza do meu
nascimento, pois cada nação, estabelecendo a grandeza de uma família em certos
sinais de honra que a acompanham, entre nós uma das mais notáveis é ter-se a
administração das coisas santas. Mas não sou apenas oriundo da família dos
sacerdotes: sou também da primeira das vinte e quatro linhas que a compõem e
cuja dignidade está acima de todas. A isso posso acrescentar que, do lado de
minha mãe, tenho reis entre meus antepassados. O ramo dos hasmoneus, de que ela
é proveniente, possuiu durante um longo tempo, entre os hebreus, o reino e o
sumo sacerdócio.
Eis a série dos últimos dos meus predecessores: Simão,
cognominado Psello, avô de meu bisavô, viveu no tempo em que Hircano, primeiro
desse nome, filho de Simão, sumo sacerdote, exercia o sumo sacerdócio. Psello
teve nove filhos, um dos quais de nome Matias, cognominado Aflias, desposou no
primeiro ano do reinado de Hircano, a filha de Jônatas, sumo sacerdote, e teve
Matias, cognominado Curo, que no nono ano do reinado de Alexandre teve um filho
de nome José, que no décimo ano do reinado de Arqueiau teve um filho de nome
Matias, do qual eu tenho meu nascimento, no primeiro ano do reinado do
imperador Caio César. Quanto a mim, tenho três filhos: o primeiro dos quais,
chamado Hircano, nasceu no quinto ano do reinado de Vespasiano; o segundo,
chamado Justo, nasceu no sétimo; e o terceiro, de nome Agripa, no nono ano do
reinado do mesmo imperador. Eis minha descendência como está escrita nos
registros públicos e que eu julguei dever relatar aqui a fim de desmanchar as
calúnias de meus inimigos.
Meu pai não foi somente conhecido em toda a cidade de
Jerusalém pela nobreza de sua origem; ele o foi ainda mais, por sua virtude e
por seu amor à justiça, que tornaram seu nome célebre. Fui educado desde minha
infância no estudo das letras, com um dos meus irmãos de pai e mãe, que tinha
como ele o nome de Matias. Deus me deu bastante memória e inteligência, e eu
fiz tão grande progresso que, tendo então só quatorze anos, os sacerdotes e os
mais importantes de Jerusalém se dignaram perguntar minha opinião sobre o que
se referia à interpretação das leis.
Quando fiz treze anos, desejei aprender as diversas opiniões
dos fariseus, as dos saduceus e as dos essênios, três seitas que existem entre
nós, a fim de, co-nhecendo-as, pudesse adotar a que melhor me parecesse. Assim,
estudei-as todas e experimentei-as com muitas dificuldades e muita austeridade.
Mas essa experiência ainda não me satisfez; vim a saber que um certo Bane vivia
tão austeramente no deserto que só se vestia da casca das árvores e só se
alimentava com o que a mesma terra produz; para se conservar casto, banhava-se
várias vezes por dia e de noite, na água fria; resolvi imitá-lo. Depois de ter
passado três anos com ele, voltei, aos dezenove anos, a Jerusalém. Iniciei-me,
então, nos trabalhos da vida civil e abracei a seita dos fariseus, que se
aproxima mais que qualquer outra da dos estóicos, entre os gregos.
Na idade de vinte e seis anos fiz uma viagem a Roma, por
esta razão: Félix, governador da Judéia, mandou por um motivo qualquer alguns
sacerdotes, homens de bem e meus amigos particulares, para se justificarem
perante o imperador; eu desejei, com muito entusiasmo, ajudá-los, quando soube
que sua infelicidade em nada havia diminuído sua piedade e eles se contentavam
em viver com nozes e figos. Assim, embarquei e corri um grande perigo, como
jamais em minha vida. O navio no qual estávamos, umas seiscentas pessoas,
naufragou no mar Adriático. Depois de ter nadado toda a noite, Deus permitiu
que ao nascer do dia encontrássemos um navio de Cirene, que recebeu oitenta dos
que entre nós haviam conseguido nadar tanto tempo; o restante havia perecido no
mar. Assim chegamos a Disearche, que os italianos chamam Puteoli (Puzzoli),
onde travei conhecimento com um comediante judeu de nome Alitur, o qual o
imperador Nero muito apreciava. Esse homem levou-me até a imperatriz Popéa, e
obtive sem dificuldade a absolvição e a liberdade daqueles sacerdotes por
intermédio dessa princesa, que me deu grandes presentes também, com os quais
regressei ao meu país.
Lá encontrei alguns espíritos inclinados às mudanças que
começavam a lançar as raízes de uma revolta, contra os romanos. Procurei
dissuadir os sediciosos e lhes fiz ver, entre outras coisas, como tão poderosos
inimigos lhes deviam ser temíveis, quer pela sua ciência na guerra, quer pela
grande prosperidade e que eles não deviam expor temerariamente a tão grande
perigo, suas mulheres, seus filhos e sua pátria. Como eu previa que tal guerra
seria muito desastrada, não houve razões de que não me servisse para
dissuadi-los desse empreendimento. Mas todos os meus esforços foram inúteis;
foi-me impossível fazer com que evitassem essa loucura. Assim, temendo que os
facciosos, que já tinham ocupado a fortaleza Antônia, suspeitassem que eu
favorecia o partido dos romanos e me fizessem morrer, retirei-me para o
santuário, de onde, depois da morte de Manahem e dos principais autores da
revolta, saí para me unir aos sacerdotes e aos principais dos fariseus.
Encontrei-os muito assustados, por ver que o povo havia
tomado as armas, e estava muito indeciso sobre o partido que devia tomar, mas
via ser perigoso opor-se à fúria daqueles sediciosos. Fingimos estar de acordo
com seus sentimentos e aconselhamo-los a deixar as tropas romanas se afastarem,
na esperança que tínhamos de que Cássio viria com grandes forças e acalmaria o
tumulto. Ele veio, com efeito; mas depois de ter perdido vários dos seus num
combate, foi obrigado a se retirar. Essa vantagem que os revoltosos obtiveram
contra ele custou caro à nossa nação, porque, tendo-lhes elevado o ânimo,
vangloriavam-se de poder conseguir novas vitórias.
Nesse mesmo tempo, os habitantes das cidades da Síria,
vizinhas da Judéia, mataram os judeus que lá moravam, embora eles nem sequer
tivessem tido o pensamento de se revoltar contra os romanos, e por uma
crueldade mais que bárbara não pouparam nem mesmo as mulheres e as crianças. Os
de Citópolis sobrepujaram aos demais em impiedade. Quando os judeus vieram
fazer-lhes guerra, eles obrigaram os seus compatriotas que viviam entre eles, a
tomarem as armas contra seus irmãos, o que nossas leis proíbem expressamente, e
depois de terem vencido, com o auxílio deles, esqueceram, por uma detestável
perfídia, o favor que lhes deviam e a palavra dada, e os mataram a todos, sem
poupar a um só. Os judeus que moravam em Damasco não foram tratados com mais
humanidade. Mas como já narrei estas coisas, na minha História da Guerra dos
judeus, basta-me dizer isto de passagem, a fim de que o leitor saiba que não
foi voluntariamente, mas obrigada, que nossa nação travou guerra contra os
romanos.
Depois da derrota de Géssio, os maiorais de Jerusalém que
estavam desarmados e viam os sediciosos armados, temeram com razão cair em seu
poder, e, sabendo que a Galiléia não se tinha ainda revoltado totalmente contra
os romanos, mas uma parte dela se conservava fiel ao seu dever, mandaram-me
para lá com dois outros sacerdotes, Joazar e Judas, para persuadir aos
amotinados a abandonar as armas e entregá-las aos chefes da nação, com a
garantia de lhas conservar; mas que antes de se servirem delas, seria
necessário saber-se qual a intenção do romanos.
Tendo partido com essas instruções, constatei, ao chegar na
Galiléia, que os de Séforis estavam a ponto de travar uma luta com os galileus,
que ameaçavam devastar seu país, por causa do afeto que aqueles tinham pelo
povo romano e da fidelidade que mantinham a Sênio Galo, governador da Síria,
livrei os seforitanos desse temor e acalmei os galileus permitindo-lhes mandar,
todas as vezes que quisessem, a Dora da Fenícia, os reféns que tinham dado a
Géssio.
Quanto aos habitantes de Tiberíades, achei-os em armas. Esta
era a razão: Havia naquela cidade três partidos; o primeiro era composto de
pessoas da nobreza e Júlio Capela era-lhe o chefe; Herodes, filho de Miar,
Herodes, filho de Gamai e Compso, filho de Compso, a ele se haviam reunido;
Cripso, irmão de Compso, que Agripa, o Grande, há muito tinha feito governador
da cidade, permanecia ainda nas terras que possuía além do Jordão. Todos os
outros de que acabo de falar eram de opinião de se permanecer fiel ao povo
romano e ao seu rei, e Pisto era o único da nobreza que, para agradar a Justo,
seu filho, não era desse parecer.
O segundo partido era composto pelo baixo povo, que queria
que se lhe fizesse guerra. Justo, filho de Pisto, era do terceiro partido. Ele
mostrou duvidar se seria preciso pegar em armas; mas, secretamente incitava a
perturbação, na esperança de conquistar grandeza e grande vantagem com a
revolução. Para conseguir o seu intento, disse ao povo que a sua cidade sempre
havia ocupado um dos primeiros lugares entre as da Galiléia e lhe tinha mesmo
sido a capital durante o reinado de Herodes, que a tinha fundado e lhe tinha
submetido a de Séforis:, que eles tinham conservado aquela preeminência, mesmo
sob o reinado do rei Agripa, o pai, até que Félix fora feito governador da
Judéia, e a tinha perdido somente depois que Nero os havia dado ao jovem
Agripa. Mas Séforis, depois de ter recebido o jugo dos romanos, tinha sido
elevada acima de todas as outras cidades da Galiléia; essa mudança os havia
feito perder o tesouro dos privilégios antigos, e os rendimentos pertencentes
ao rei.
Justo, com semelhantes discursos, irritou o povo contra o
rei e suscitou-lhes no espírito o desejo de se revoltar; acrescentou ainda que
tinha chegado o tempo de se unirem às outras cidades da Galiléia e de tomarem
as armas para reconquistar os benefícios que lhes haviam injustamente
arrebatado. Nisso seriam secundados por toda a província, pelo ódio que se
tinha dos seforitanos, por sua ligação tão estreita com o Império Romano. Essas
razões de justo persuadiram o povo, pois, ele era muito eloqüente; a graça, com
a qual falava, levou-o a opiniões muito mais sábias e mais salutares. Ele tinha
certo conhecimento da língua grega para ter ousado escrever a história do que
se passou então, a fim de desmascarar a verdade. No entanto, revelarei mais
particularmente, em seguida, toda sua malícia e de como não foi preciso que ele
e seu irmão tenham causado a inteira ruína de seu país. Justo, tendo-os então
persuadido, obrigou a alguns daqueles, que eram de outro parecer, a tomar as armas;
pôs-se em campo e queimou algumas aldeias dos ipinianos e dos gadareenses, que
estão na fronteira de Tiberíades e de Citópolis.
Enquanto as coisas andavam como acabo de dizer, eis o que se
passava em Giscala. João, filho de Levi, vendo que alguns de seus concidadãos,
estavam resolvidos a sacudir o jugo dos romanos, empregou toda a sua habilidade
para conservá-los no dever e na obediência. Mas tudo foi inútil, e os
gadarenianos, os gabaranianos e os tirios, que estão próximos de Giscala,
juntaram-se, atacaram a praça, tomaram-na e a destruíram completamente. João,
irritado com esse ato, reuniu muitas tropas, marchou contra eles, derrotou-os,
reconstruiu a cidade e a rodeou de muralhas.
Agora direi como os de Gamala permaneceram fiéis aos
romanos. Filipe, filho de Jacim, lugar-tenente do rei Agripa, tinha, contra
toda sorte de esperança, escapado do palácio real de Jerusalém, quando estava
cercado, mas caiu em outro perigo, correndo risco de ser morto por Manahem e
seus sediciosos, se alguns babilônios, seus parentes, que então estavam em
Jerusalém, não o tivessem salvado. Ele disfarçou-se alguns dias depois e fugiu
para uma aldeia que estava perto do castelo de Gamala, onde reuniu um grande
número de seus súditos. Deus permitiu que ele fosse tomado por uma febre, sem o
que estaria perdido. Este acidente impediu-lhe de continuar a viagem e ele
escreveu por um dos seus libertos a Agripa e à rainha Berenice; para fazê-los
receber suas cartas, as endereçou a Varo, ao qual o rei e a rainha haviam
deixado a guarda do palácio, quando saíram para encontrar-se com Géssio. Varo
ficou muito aborrecido por saber que Filipe tinha escapado, porque teve medo de
diminuir-se seu prestígio perante o rei e a rainha e de que não tivessem mais
necessidade dele, quando Filipe estivesse com eles. Assim, fez o povo crer que
aquele liberto era um traidor, que lhe trazia falsas cartas, porque estava
certo de que Filipe estava em Jerusalém, com os judeus que se haviam revoltado
contra os romanos, e assim, mandou matar aquele homem.
Quando Filipe viu que seu liberto não voltava, não sabendo a
que atribuir tal demora, mandou um segundo, com outras cartas. Varo, para
prejudicá-lo empregou as mesmas calúnias, com que havia feito morrer o
primeiro. Os sírios, que moravam em Cesareia, haviam-no reanimado e feito
conceber novas esperanças, dizendo que os romanos tinham matado Agripa, por
causa da rebelião dos judeus e que ele poderia reinar em seu lugar, porque era
de família real, descendente de Soheme, rei do Líbano. Foi isso que o impediu de
entregar ao rei as cartas de Filipe e o obrigou a fechar todas as passagens, a
fim de tirar ao príncipe o conhecimento do que se passava. Mandou, em seguida,
matar vários judeus para satisfazer aos sírios de Cesareia e resolveu atacar,
com o auxílio dos traconítidas, que estavam em Betânia, os judeus que eram
chamados de babilônios e moravam em Ecbátana. Para conseguir esse intento,
ordenou a doze dos principais entre os judeus de Cesareia, que fossem dizer, de
sua parte, aos de Ecbátana, que o haviam avisado de que eles estavam a ponto de
se revoltar contra o rei, mas que não haviam prestado fé àquele aviso e assim
os mandava a eles, para exortá-los a deixar as armas, a fim de mostrar com esse
ato de obediência, que ele tivera razão em não acreditar no que lhe haviam dito
em seu desabono. A isso acrescentou que para manifestar ainda melhor sua
inocência, seria necessário que lhe mandassem setenta dos mais ilustres dentre
os seus.
Chegando a Ecbátana, os doze deputados acharam que os de sua
nação só pensavam em se revoltar, e os persuadiram a mandar a Varo os setenta
homens que ele pedia. Quando os deputados reuniram-se perto de Cesareia, Varo,
que os havia precedido no caminho, com tropas do rei, atacou-os e de todo
aquele grande número um só se salvou. Varo marchou em seguida contra Ecbátana.
Mas aquele que se havia salvado, precedeu-o e deu aos habitantes a notícia
daquela horrível perfídia. Eles tomaram as armas, retiraram-se com suas
mulheres e filhos ao castelo de Gamala e abandonaram suas aldeias, com todos os
seus bens e todos os animais que possuíam em abundância. Filipe, tendo sabido
disso, dirigiu-se imediatamente a Gamala. O povo, alegre com seu regresso,
rogou-lhe que fosse seu chefe e os conduzisse contra Varo e os sírios de
Cesareia, pois espalhara-se a notícia de que eles haviam matado o rei. Filipe,
para reprimir-lhes a impetuosidade, falou-lhes dos benefícios de que eram
devedores àquele soberano, fê-los conhecer por meio de razões mui fortes que as
forças do Império Romano eram tão temíveis, que eles não podiam empreender a
guerra contra ele, sem se expor a um evidente perigo e, por fim, persuadiu-os a
seguir seu conselho.
No entanto, o rei Agripa, tendo sabido que Varo queria
mandar matar no mesmo dia todos os judeus de Cesaréia, que eram muitos, sem
poupar nem as mulheres e as crianças, mandou Equo Módio para substituí-lo, como
se pode ver em outro lugar. E Filipe conservou na obediência aos romanos,
Gamala e a região dos arredores.
Quando cheguei à Galiléia, soube de tudo o que acabo de referir
e escrevi ao Conselho de Jerusalém, para saber o que queria que eu fizesse. Ele
determinou que eu ficasse, para cuidar da província e que conservarsse comigo
os meus colegas, se eles o quisessem. Mas depois que eles ajuntaram muito
dinheiro, o qual lhes era devido pelas décimas, preferiram voltar e me pediram
que lhes desse somente um pouco de tempo, para regularizar todas as suas
coisas. Partimos depois todos juntos, de Séforis, para uma aldeia de nome
Betmaús, longe quatro estádios de Tiberíades. De lá mandei alguns homens ao
Senado daquela cidade e aos mais ilustres dentre o povo, para lhes rogar que
viessem ter comigo. Eles vieram e Justo também veio. Eu lhes disse que tinha
sido enviado pela cidade de Jerusalém com meus colegas, para lhes anunciar que
era preciso demolir o palácio tão suntuoso que o tetrarca Herodes tinha feito
construir e onde ele tinha mandado pintar diversos animais, contra a proibição
expressa de nossas leis. Dessa forma, eu lhes rogava que nos permitissem lá
trabalhar com urgência.
Capella e os de seu partido, não podendo resolver-se a
destruir tão bela obra, opuseram-se por muito tempo. Mas por fim, nós os
induzimos a consentir; enquanto tratávamos desse assunto, Jesus, filho de
Safias, seguido de alguns barquei-ros e de alguns outros galileus do seu
partido, incendiou o palácio, com a esperança de se enriquecer, porque viam
nele coberturas douradas; roubaram de lá várias coisas, contra a nossa vontade.
Depois desta conversa que tive com Capella, retiramo-nos para a alta Galiléia.
No entanto, os do partido de Jesus mataram todos os gregos que moravam em
Tiberíades e todos os que tinham sido seus inimigos antes da guerra. Esta
notícia muito me aborreceu. Fui imediatamente a Tiberíades, onde fiz tudo o que
me foi possível para reconquistar uma parte do que havia sido roubado do rei,
como candelabros coríntios, ricas mesas, uma grande quantidade de dinheiro, em
moedas, com o fim de o conservar para o soberano, e entreguei todas essas
coisas nas mãos das autoridades do Senado e de Capella, filho de Antillo, com
ordem de só os entregar a mim mesmo.
De lá, fui como meus colegas a Giscala, para sondar o que
João tinha em mente e pude logo conhecer que ele aspirava a um governo
tirânico, pois rogou-me que lhe permitisse servir-se do trigo que pertencia ao
imperador e que estava reservado, nas aldeias da alta Galiléia, para, com o seu
produto, construírem-se muralhas. Como, porém, percebi a sua intenção,
recusei-me, e determinei guardar aquele trigo ou para os romanos ou para as
necessidades da província, em virtude do poder que a cidade de Jerusalém me
tinha dado. Quando ele viu que nada podia obter de mim, dirigiu-se aos meus
colegas e como eles apreciavam muito os presentes e não previam as
conseqüências, concederam-lhe o que pe-dia, por maiores objeções que eu
fizesse, sendo sozinho contra dois. Ele usou ainda de outro ardil. Disse que os
judeus que estavam em Cesaréia de Filipe queixavam-se da falta de óleo virgem,
por causa das proibições que o rei lhes havia feito de sair da cidade para
comprá-lo; tinham se dirigido a ele para obtê-lo porque não queriam se servir
do óleo dos gregos contra o costume da nossa nação. Não era, no entanto, o zelo
pela nossa religião, mas o desejo de um ganho sórdido, que os fazia falar dessa
maneira, porque ele sabia que vendendo-se duas medidas desse óleo por uma
dracma em Cesaréia, oitenta medidas custavam quatro dracmas, em Giscala. Assim,
mandou trazer a Cesaréia todo o óleo que havia na cidade, fazendo falsamente
crer que o fazia com minha licença; eu não ousei opor-me para que o povo não me
apedrejasse, e com essa fraude ele ganhou muito dinheiro.
Despedi depois meus colegas, mandando-os para Jerusalém;
entreguei-me diligentemente a fazer provisões de armas e a fortificar as
praças. No entanto, mandei chamar todos os indivíduos que viviam de roubo e
saque; não conseguindo convencê-los a deixar as armas, persuadi o povo a
pagar-lhes uma contribuição; o que se fez, como preferível, a sofrer os
prejuízos que eles causavam aos campos; assim os despedi, depois de os ter
obrigado com juramento de só voltar ao país se fossem chamados ou se lhes
deixassem de pagar; proibi-lhes também de devastar as terras dos romanos e as
vizinhanças. Como nada mais tinha a fazer do que manter a paz na Galiléia, fiz
amizade com setenta dos principais do país, a fim de que me fossem como outros
tantos reféns, seguindo-lhes o conselho e as advertências em várias coisas,
sobretudo nada fazendo contra a justiça e não me deixando subornar por
presentes.
Eu tinha então trinta anos; embora seja difícil, por mais
que se proceda com moderação e prudência, evitarem-se as calúnias dos
invejosos, principalmente quando se está constituído em dignidade e autoridade,
ninguém, no entanto, jamais ousou dizer que eu recebi presente algum ou permiti
que se usasse de violência contra alguma mulher. Também não tinha necessidade
desses presentes e estava tão longe de aceitá-los, que não cuidava nem mesmo em
receber as décimas que me eram devidas, como sacerdote. Tomei, somente, depois
da vitória que obtive sobre os sírios, uma parte de seus despojos, que mandei a
meus parentes em Jerusalém. Eu vencera duas vezes os seforitanos, quatro vezes
os de Tiberíades, uma vez os gandarianos e aprisionei a João, que me tinha
armado tantas emboscadas. No meio de tão felizes resultados, jamais quis
vingar-me, nem dele, nem de todos os outros e como Deus tem os olhos abertos
sobre as boas ações dos homens, atribuo a essa razão a graça que Ele me fez de
livrar-me de tantos perigos de que falarei na continuação desta história.
Todo o povo da Galileia tinha tal afeto por mim e tal fidelidade, que
vendo suas cidades tomadas à força, suas mulheres e filhos levados escravos,
eles se sentiam menos tristes por essa desgraça, do que pela minha conservação.
Essa estima e esse afeto tão geral para comigo
Que o Santo Espirito do Senhor, ilumine
o nosso entendimento
Não perca tempo, Indique esta maravilhosa
Leitura
Custo:O Leitor não paga Nada,
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